quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Feliz Natal com poema de Alice Ruiz:

Rosai por nós

nossa senhora da flor roxa
rosai por nós
assim na vida
como no chão
a primavera de cada ano
nos dai hoje
encantai nosso jardim
assim como encantamos
o do vizinho
e não nos deixeis cair na tentação
de esquecer tuas flores

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Arranhadura

Dizer qualquer coisa
externar, arrancar da pele
extrair a fórceps

Arranho-me sem dó nem piedade
porque sei que nos ferimentos corre a vida
e na piedade, o medo

sábado, 7 de novembro de 2009

Chuva

A coisa mais doce do céu
a chuva tem a chave da paz
chuva e chávena de chá
sossego caindo na vida
silêncio cristalino

Eu caindo de sono
eu caindo de chuva

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Cristalina

Um rio de águas não amazônicas
no cristalino do olho
torpor de domingo
quintais apertados por cercas
casas que não combinam
nada combina com a natureza pródiga de Deus

Homem-facão
homem-lenha-dor
apenas na outra margem
matas em flor
garapuvulvas amarelo-sol

Para avistar o rio com as mãos
é preciso pedir licença
terras cercadas por farpas
terras com proprietários

Rio de ninguém para cuidar
correndo desembestado
exibindo sacos plásticos
agarrados à vegetação de entorno
rio pedindo socorro

Temo pelos garapuvus
e pelo quati que não vi

Dentro de mim um canto doído borbulha
feito água de rio tortuoso
querendo fugir do torpor
do tédio afogado com pinga no boteco
fugir dos facões e dos homens
que falam manso e cortam fundo

Mil cortes no meu coração-clorofila

domingo, 14 de junho de 2009

Viajar é preciso - 4


QUARTO DIA - TERÇA-FEIRA – 09/07/2009

Gaivota, não fique triste, logo, logo, estarei de volta.

Café da manhã numa padaria, em Jurerê. Aproveitamos para passear um pouco. Nenhuma vontade de retornar a Brusque e deixar Florianópolis, a cidade que nos recebeu com carinho, sol e ondas.

Nosso último dia também seria aproveitado. Fizemos o caminho pelo Ingleses para chegar à Lagoa da Conceição, passando por Moçambique, Mole, avenida das Rendeiras.

Fazíamos tudo tão devagar que chegamos no centrinho da Lagoa perto da uma da tarde. Almoçamos num restaurante a quilo que funciona dentro de um pequeno shopping. Durante o almoço, conversamos sobre as possibilidades da tarde. Decidimos que sairíamos da Ilha após às dezenove horas, assim fugiríamos do engarrafamento que ocorre na ponte que liga a Ilha ao Continente.

Mal almoçamos, pegamos o carro e nos dirigimos à Joaquina, parando nas dunas. Alugamos uma daquelas pranchas para surfar na areia, esporte que seria mais praticado por ele. Eu tentei atingir o topo de algumas das montanhas de areia.

No deserto você não consegue esconder nada. Os seus desertos internos afloram. De início há um impacto, quase uma vertigem. Aos poucos, nos acostumamos à ausência de vegetação, à areia no corpo, ao vento e aos passos que se afundam.

Então você passa a compreender a cultura dos povos do deserto, pois se sente um deles. O deserto ensina a força para resistir, superar obstáculos. Conhecendo os próprios desertos você abre a porta para conhecer os dos outros.

Deslumbramento e comunhão com o silêncio. Pés fincados no chão que se move. Assim é a vida: nada é permanente. Manter-se equilibrado sem nenhum suporte, eis o grande aprendizado da jornada entre a vida e a morte.

sábado, 13 de junho de 2009

Viajar é preciso - 3


TERCEIRO DIA – SEGUNDA-FEIRA (08/06/2009)

Avistar a praia do alto é um ensaio para os olhos. Estacionamos o carro no canto esquerdo da praia Brava, ao lado da vegetação preservada, lugar repleto de pássaros.

Eu de tênis, ele descalço, subíamos a trilha. Levamos o chimarrão para tomar em algum lugar que nos agradasse. Bem no começo da subida encontramos um pescador, olheiro de peixe, estava de olho nos possíveis cardumes de tainha. Mostrou os barcos na praia. Havia um código entre eles, trabalho de equipe. No outro costão olheiros faziam a mesma coisa. Prometeu nos dar um peixe caso a pesca fosse boa.

Continuamos a trilha. Logo encontramos o local ideal para tomarmos nosso chimarrão, uma pedra enorme encravada entre o mar e a montanha, com vista fantástica e cercada pela vegetação, de tal maneira que não escutaríamos ninguém, nenhum barulho que não fosse aves, ondas, pássaros.

Decidimos trilhar mais um pouco antes da parada. Passamos por um barraco construído nos espaços vazios de uma pedra gigante, dizem que um homem vive ali. Continuamos mais uns quinze minutos, desce, sobe. Dava pra ter ido mais, decidimos voltar à nossa pedra particular com vista pro mar.

Chimarrão combina com natureza. Do alto da pedra, tentamos encontrar cardumes de tainha. Não sabemos ver isso, não temos olho treinado. Mas sabemos distinguir fragatas de urubus e urubus de gaivotas e gaivotas de andorinhas. Devia ser meio-dia quando decidimos voltar para almoçar no carro. No caminho encontramos o olheiro que não estava só, o filho viera lhe fazer companhia.

- Olha lá, gritou, um cardume!

Confesso que custei a ver. Primeiro, uma sombra em movimento na água, tudo que vi. Em seguida, a sombra se transformou num aglomerado de peixes prateados, que coisa mais linda! Tive a sorte de ver se aproximar mais um cardume, ainda maior que o anterior (fiquei emocionada). O homem não apitou porque os cardumes nadavam em direção à praia da Lagoinha, ou seja, seriam peixes para redes de outros pescadores, ou não.

Nosso almoço foi croissant com vinho branco. Canarinhos rodeavam o lugar em busca de comida. Não nos importamos de deixar algumas migalhas caírem.

Decidimos caminhar, aproveitar o sol, colocar os pés na água sagrada e salgada. Tiramos algumas fotos com o meu celular. Não resisti e mergulhei. A água não estava fria, muito pelo contrário. Desta vez ele não entrou. Acho que fui peixe em outra vida.

Era um tal de barco entrar na água, sair. Era um tal de apito apitar no costão da margem direita da praia, gente corria, cachorro seguia. Parecia uma festa. Gritos. Olhares. Redes. E nós no meio daquele burburinho. Queríamos sim que eles pescassem tainhas. Até gostaríamos de ganhar uma. De manhã cedo pescaram pra mais de mil. Por isso tanta euforia.

Após observar um pouco da movimentação da pesca continuamos nossa caminhada, desta vez no costão à direita da praia. Escolhemos um lugar de pedra e sol para descansar e ver o mar que não nos cansa. Feito duas gaivotas, ficamos imóveis sob o entardecer. Volta e meia apitos, barcos ao mar, gritos, gestos, balançar de camisetas para indicar aos pescadores o local exato dos cardumes. Assistimos de camarote a pesca artesanal da tainha.

Era como se aqueles edifícios todos nem existissem, apenas a praia selvagem e os pescadores.

Não teve tainha na rede. Voltamos de mãos vazias. Ver aqueles cardumes na água, alimentou a alma.


sexta-feira, 12 de junho de 2009

Viajar é preciso - 2


SEGUNDO DIA - DOMINGO - 07/06/2009

Levanto da cama com a maior disposição, sem ressaca, receio de nada. Bom-dia, mundo, lá vou eu! Jurerê Internacional fica ao lado de Canasvieiras. De carro, ouvindo a Itapema FM. Curvas, prédios, sobrados, mar azul com triângulos brancos navegando em sua pele. As casas, em Jurerê, são mansões. Olhamos embasbacados para aquele luxo que não dói nos olhos. Não são do nosso gosto, nem saberíamos viver ou morar numa casa dessas. Medo de quebrar alguma coisa ou sujar, enfim, não me sentiria confortável. Os carros nas garagens são importados, até parece que não estamos no Brasil.

Decidimos deixar chinelos e tênis no carro e sair para caminhar na praia. O biquíni por baixo do agasalho (mulher prevenida vale por duas). Pisar na areia, olhar pra todas às direções, acima, ao lado, abaixo: céu, mar, caranguejos. Vamos, passos que te quero!

Domingo, que dia mais saboroso, segunda-feira combina com banana, domingo com morango. De repente percebemos os cavalos se aproximarem. E não eram poucos. Não me deixou feliz ver a cavalgada se aproximar. Os humanos vivem inventando moda. A faixa de areia da praia é estreita, não cabíamos nós e os cavalos, sentamos no muro de uma casa e esperamos, esperamos. Havia cavalo de toda cor. Acho que mais de cem passaram por nós.

Fomos. Voltamos e paramos na frente do restaurante em que deixamos o carro. Enquanto ele foi ver os preços e comprar uma água, despi-me do agasalho e me atirei na água gelada, mergulhei, nadei, fiz bolhas salgadas, me exibi pras gaivotas, pra duas borboletas que passaram, algumas fragatas e, quando ele entrou, saí para cuidar da bolsa, do dinheiro, dos cartões, do celular, dos milhares de grãos de areia, de um caranguejo do tamanho de um botão de roupa, de mim. Parei para sentir na pele o sol, as gotas, o sal. Parei para nunca mais esquecer.

Quando ele saiu da água encomendamos um petisco. Serviram a cerveja em taças, o copo faz a diferença, dava para ver o mar através do cristal. Pastéis de camarão, eu sei, só de lembrar fico com água na boca.

Mais tarde fomos tomar um chimarrão na Brava. Uma hora tomando chimarrão, tomando ondas nos olhos e marulho nos ouvidos, sorvendo devagar, verde, azul, caracol.

Só isso?

Na volta, deixamos o carro na pousada e fomos ver o pôr-do-sol de Canasvieiras, vinte minutos olhando o sol pegar fogo. Deus pegou fogo em mim, Deus me fez chorar e prometer que nunca mais vou passar tanto tempo sem ver outro e sem senti-lo em tudo que vejo.

Amém.


quarta-feira, 10 de junho de 2009

Viajar é preciso - 1


Quando tudo estava cinza e parecia não haver saída, viajei para Floripa.

Quatro dias numa hospedaria muito simples, sem café da manhã.

PRIMEIRO DIA (06/06/2009)

No primeiro dia, sábado, na ida, decidimos parar no Mercado Público (centro de Florianópolis) para comprar tainha com ova. Mercado apinhado, empurra-empurra. Em seguida, paramos num boteco e, sem mentira, comi a melhor empadinha de camarão da minha vida, você sai andando e se lamentando: pena que só pedi uma.

Explicação necessária: fui sorteada com um pacote de quatro dias. A hospedagem é simples, sem café da manhã. A Viamar tem razão, o que importa é estar ali, sem luxo, sem excesso, tipo assim: você mesma limpa o que sujou. Este sorteio deu direito a quatro dias de hospedagem para duas pessoas por $ 80,00 reais.

Eu mesma fiz o almoço: ova de tainha frita, arroz, salada e vinho branco. Bebemos uma garrafa de vinho branco e fomos caminhar na praia. Eram 12:20 quando coloquei meus pés na areia de Canasvieiras. Dia lindo, céu azul. Decidi, para espanto do meu namorado e de todos que estavam na praia, dar um mergulho. A água não estava fria, talvez por conta do vinho que havíamos bebido. Ele nada muito bem. Eu mergulho feito uma pessoa que adora água: O SOM DO MAR ME SOMA.

Mais tarde fomos passear em Jurerê Internacional. Casas lindas e um pôr-de-sol de dar inveja (tudo lá faz dar inveja). Caminhamos numa espécie de calçada rente às dunas e voltamos pela orla da praia. Após o café delicioso numa padaria do centrinho de Jurerê, descobrimos a lua cheia. Retornamos embevecidos para o nosso ninho. Tainha assada para o jantar. Descobri que o forno era lento, ou seja, não tinha volume de gás suficiente para assar o peixe. O namorado resolveu: retirou aquela peça de metal localizada entre o fogo e o forno. Assim, duas horas depois, o peixe com ervas e batatas estava pronto, a melhor tainha que já saboreei, sei lá, também tenho dotes culinários. Mais uma garrafa de vinho branco. Mais lua.

domingo, 10 de maio de 2009

A hipocrisia venceu, pensam os hipócritas. Vou ficar quieto pra ganhar o meu, pensam os covardes. E assim caminha a humanidade.

Aqueles que antes nos instigavam a sair às ruas e protestar, agora nos calam, nos emudecem, e nos ameaçam.

Alguns fazem pelo dinheiro, outros pelo poder, outros pelo Partido. Não reparam nos corações partidos.

A minha alma, declaradamente decepcionada.

Pulsa em mim, graças a Deus: dignidade.

domingo, 22 de março de 2009

Amanhã

Até ontem eu era aquela coisa vazia
que não dizia nada com nada
vergada

Até ontem eu não era nada
não sei como eu pude
ser nada até ontem

Como eu pude agüentar ser um nada
Nada me transtorna mais
do que saber que até ontem eu era aquela coisa vazia
Nada me entristece mais do que saber que eu era tão vazio quanto o mais vazio dos vazios

Hoje eu acordei consciente
do meu passado branco
Hoje eu acordei no escuro e não tive medo
Hoje eu acordei no escuro e desenhei estrelas no céu do meu quarto
Hoje eu me sinto cheio de escuros e medos
Hoje eu me sinto cheio

Hoje eu me sinto cheio de tudo
Hoje eu me sinto de saco cheio
Não sei como eu posso estar tão cheio
Não sei como eu me deixei chegar a este ponto

Eu já não sei de mais nada
Não sei mais olhar pro céu e predizer o tempo
Não sei mais olhar nos olhos sem me comover
Não sei mais fingir que sei quando não sei
Não sei mais fingir que gosto quando não gosto
Não sei mais fingir que quero quando não quero

Eu já não sei como pisar nesta estrada
Alguém apagou o caminho de volta
Eu já não sei como pisar nesta estrada
Alguém apagou o caminho de volta

sábado, 21 de março de 2009

As pessoas falam coisas. As pessoas falam coisas sem pensar. As coisas que as pessoas falam dão o que pensar. As pessoas falam para preencher vazios. Se palavras fossem flores as pessoas falariam para preencher vasos de cores. As pessoas falam demais. Algumas pessoas falam de medos, os mudos, por exemplo. Os mudos não falam pela boca. Os emudecidos são aqueles que não falam por vontade própria. A mudez não lhes foi imposta. As pessoas falam muito quando ninguém quer ouvir. As pessoas falam para explicar quem são. A imagem do que são não se explica. Muito barulho por nada. Tanto se fala disso e daquilo, na maioria das vezes, isso e aquilo não valem um quilo. O silêncio é de ouro e continua velando ouro. As pessoas falam porque temem o silêncio. Enquanto se faz amor pode-se ficar em silêncio, pode-se usar a língua para falar de libélulas. Enquanto se beija na boca não se fala. Tem gente que fala. Antes do beijo tem gente que pede. Tem quem não pede e beija. Tem quem pede e beija mal. Se for pra beijar mal, melhor mel. Se for pra falar de amor, se for pra falar e não fazer. As pessoas falam coisas sem pensar em mais nada. As pessoas silenciam apenas por fora. Há quem estranhe o silêncio que se cria em torno, por isso apressa a fala sobre os vazios escuros e azuis da noite.

domingo, 8 de março de 2009

Promessa

Ele prometia todos os dias. Todos os dias eu acreditava. Amanhã, amanhã eu e você, você e eu. Amanhã é um lugar distante, amanhã é o ponteiro sem pressa, o tic-tac arranhando a garganta. Não sei se tua mão está branca, vermelha ou azul e se o ar entra pela tua boca e se cuidam para que não te doa o corpo e se ainda és um sopro num corpo ou apenas um sopro.

Esqueça de tudo, do sol, do azul. Esqueça do gesto de levantar a cabeça, esqueça a timidez inicial, esqueça o sorriso, a voz ao telefone, esqueça o homem, esqueça o nome, apague a luz, fique sozinha com as memórias, com o prolongamento da vida que escapa, escapa, escarpa.

Vasculhe as mensagens dele no computador, procure pelo amor nas entrelinhas. Puxe o fio da letra, faça o filme rodar de novo, o bar, a timidez, o timbre da voz, o sorriso aberto, o abraço certo. Procure o beijo, primeiro roçado, depois linguado, cama sutra. Coma.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Carnaval

Carnaval é folga. Neste, organizei meu canto de trabalho. Pretendo dar um nome pro espaço, algo diferente de ateliê, biblioteca ou escritório, vou pensando. Mudei tudo de lugar, levei horas, duas estantes com mais de mil livros.

A saída do AN, sem dúvida, representa o fim de um ciclo. Então, que venha o novo. Mas que venha com calma, em ritmo de samba lento.

Reli meu romance e decidi que o melhor caminho é transforma-lo em confete de carnaval.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

A última

Cá estou. De olhos embaçados tentando escrever a última.

A mesa é branca, uma dessas de sala de jantar adaptada para o escritório. Faz calor, ouço Milton Nascimento. À minha frente um cartaz do Prêmio Cruz e Sousa, espécie de incentivo. Mais ao lado, um pequeno quadro de Nossa Senhora da Pena, protetora das artes. Sobre a mesa, dicionário de português, de inglês, cds, clipes, grampeador, um copo com suco de goiaba, uma pulseira tirada do pulso (não consigo trabalhar com pulseira).

Deste espaço saíram as crônicas que escrevo como colaboradora do Anexo desde maio de 2006. Logo encontrei meu jeito de escrever. A crônica é um gênero literário que pode ser tudo e ao mesmo tempo nada. As fórmulas são muitas. Como agradar aos leitores, ao jornal e ao mesmo tempo não desagradar a si mesmo? Optei por não desagradar a mim mesma

À minha direita a janela. Mais além a cidade, o rio, a praça, árvores e pássaros. Um fio conectado a outros me possibilitou enviar instantaneamente os textos para o jornal em Joinville, sempre nas sextas até meio-dia para que fossem publicados nas segundas-feiras, uma rotina e um prazer.

Neste computador chegaram as mensagens eletrônicas dos leitores. Algumas chegavam antes de voltar da banca com o jornal. Outras, semanas depois, como a daquele leitor que estava distraído na rua, quando o vento lhe soprou no rosto a folha de jornal, vinda não sei de onde. Nas mensagens, mães me contaram dos filhos e jovens demonstraram preocupação com o futuro do planeta. Teve quem me enviou poema e quem me solicitou opinião sobre namoro.

Respondi a todas. Enviei mensagens a quem nunca vi. Não faço a mínima idéia da cor do cabelo, do jeito de sorrir ou chorar desses leitores. Tentei imaginar se me escreviam de uma ruazinha estreita ou do alto de um prédio. Muitos estudantes me escreveram. Espero que ninguém tenha baixado a nota por minha causa.

Os despertadores tocarão nas segundas-feiras, o pão quentinho chegará nas mesas, um pai pela primeira vez abraçará o filho no caminho da escola, alguém abrirá um cadastro para pegar livro emprestado na biblioteca, um cego passará os dedos suavemente sobre a escrita braille, alguém tomará um café preto num bar, outro entrará apressado na banca pra comprar jornal...

Aprendo mais uma faceta da crônica: a última é a mais difícil de escrever!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

2 notícias
A primeira: saiu matéria hoje nos jornais de SC sobre a Bolsa para escritores. A idéia da pauta partiu da minha crônica de 02/02 (veja abaixo). Pena que não entrevistaram nenhuma escritora.
A segunda: fui dispensada ontem do jornal A Notícia.
Alma catarina
Semana passada escrevi sobre a bolsa Cruz e Sousa, que ainda não existe (olhem o meu otimismo, o “ainda” quer dizer que há esperança). Pra minha surpresa, recebi várias cartas, algumas de escritores que concordavam com a idéia da bolsa, outras de escritores me pedindo o endereço eletrônico do tal prêmio. Teve gente que me achou corajosa e teve quem me achou sonhadora.

Por conta daquela crônica, não sou uma coisa nem outra. Apenas penso a respeito das coisas que me rodeiam. Se acredito que o Estado tem condições de bancar algumas bolsas mensais de incentivo à produção de livros, por que não sugerir? O que iria temer dizendo isso? Cargo público só ganha quem é de algum Partido. Alguém ainda sonha que as coisas acontecem de outro modo? Não estou falando de cargos menores, para estes, de vez em quando até se nomeiam pessoas altamente qualificadas sem vínculo político. Tratando-se de primeiro escalão, todos são negociados politicamente, das Prefeituras ao Governo federal.

Quanto ao outro comentário freqüente nas cartas, por que não sonhar? Tudo nasce de um sonho, de uma idéia, da vontade. Escrever um romance, por exemplo, primeiro é um sonho (um dos maiores, porque o trabalho que vem a seguir tende a dar mais vontade de desistir, do que continuar). Reafirmo, sonho possível e próximo: o Estado reservaria uma verba para bolsas, outra para prêmios, e assim por diante. De maneira que a chama do sonho continuaria acesa.

Transformamos o sonho num projeto, como aqueles que nos solicitam pra tudo hoje em dia, principalmente tratando-se de cultura. O que nunca entenderei muito bem, é por que uns são escolhidos, outros não. Inclusive, fico me perguntando o que farão os pareceristas do Edital Elizabete Anderle para aprovar uns, em detrimento de outros, sem sequer pôr os olhos nas produções (tratando-se da categoria Publicações).

Sou pessoa teimosa. Continuo me inscrevendo. E vou aprendendo. O que já aprendi é que prefiro perder um projeto do que pagar para aqueles caras que vivem de fazer projeto.

Costumo acompanhar o resultado dos concursos aos quais me inscrevo. Feito aluno que presta vestibular, verifico os nomes da lista dos aprovados, pesquiso na internet, leio as obras depois, enfim, etapas do processo.

A minha alma pulsa. Santa Catarina merece que participemos do futuro que chega a cada minuto.

O pé de abóbora nasce de uma única semente caída na terra. A planta brota meio desengonçada. Cresce em baraço, folhas e flores. Quando menos se espera, o quintal está cheio de abóboras enormes e coloridas, feito um milagre!

In: jornal A Notícia, Anexo, p. 3 (09/02/2009)
Bolsa Cruz e Sousa
Apenas dois catarinenses inscreveram seus romances para o Prêmio Cruz e Sousa, segundo matéria na imprensa de dias atrás. Este seria um dos motivos da prorrogação do prazo de inscrição para abril. Na mesma matéria, alegava-se que as pessoas normalmente deixam para se inscrever na última hora.

A verdade é que não estamos escrevendo romances porque estamos trabalhando. Sem um salário mensal não teremos como pagar as contas, comer, equipar o computador, pagar a internet banda larga, comprar livros... Ganharás o pão com o suor do teu rosto.

Mal sobra tempo para escrever uma crônica. O romance inacabado observa de longe, no cansaço do olho. O romance requer mente lúcida, saúde, persistência, tempo. A escrita aliada à jornada de trabalho é o caminho mais curto para a desistência ou stress.

Segundo me informei, estão abertas duas possibilidades de premiação no âmbito da Literatura em Santa Catarina, promovidas pela FCC: o Edital Elizabete Anderle e o Prêmio Cruz e Sousa. Ambos premiando obras prontas. Ou seja, nenhum incentivo para obras em andamento ou projetos de romance.

Precisamos de bolsa para escritores. Dêem-nos a oportunidade de trabalhar somente no projeto de um romance, pelo período de um ano, com dinheiro depositado no fim do mês.

Escrever um romance não é fácil. Exige frescor matinal. Ou noite que avança o sinal do corpo. Um romance toma o tempo inteiro do autor, o texto continua na mente enquanto ele vai trabalhar, por exemplo.

Após escrever a primeira versão, começa a etapa do reescrever, corrigir, melhorar. Por vezes o nome de um personagem não soa bem, troca-se, então, por outro, de sonoridade mais condizente com o projeto; enxuga-se o texto; muitas vezes mudamos algumas palavras no intuito de obter um sentido mais original ou poético; tenta-se dar clareza a passagens confusas, ou, de propósito, deixa-se dúvidas, coisas no ar, pois não se pode dizer tudo, muitas vezes é melhor não dizer nada.

Um bom romance precisa de descanso. Para que o autor o retome com um certo distanciamento e assim, novamente e exaustivamente, o reescreva. Talvez decida por mudar a narrativa inteira de segunda para primeira pessoa.

Outra prática comum é solicitar a um leitor amigo para dar uma lida nos originais, o olhar do outro perceberá coisas fora do tom. Em seguida, mais análise, correções, revisões.

Salário mensal em forma de bolsa, depositado todo mês na conta, é o que nós escritores gostaríamos de ganhar do Estado. O suficiente para vivermos dignamente enquanto trabalhamos para engrandecer a cultura literária catarinense. O nome? Bolsa Cruz e Sousa.
In: jornal A Notícia, Anexo, p. 3 (02/02/2009)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Previsão do tempo

Na pele nenhum beijo nenhum
na pele nenhum beijo doce
doce de pitanga
na pele nenhum beiço
nua pele de beijos
nua e branca
lua redonda e fria no céu
dentro o sangue gela
bolas vermelhas de fogo
cinzas de tanto esperar

Vulcão no Japão
tufão em Minas
em mim
mina de carvão

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Cosme e as estrelas

Na pequenina cidade em que Cosme nasceu, havia muitas pessoas com nomes piores que o dele. Ninguém se assustava com o seu, essa era a verdade. Talvez se assustassem com o nariz grande de Cosme, ou com seu apetite voraz, apesar da magreza.

A vida lhe trouxe o banho de chuveiro quando, aos 18 anos, foi morar na casa da prima durante o período em que trabalhou numa fábrica de cigarros. Demorava uma hora sob aquela chuva fina e concentrada. Ao sair do banheiro, os moradores da casa estavam em fila, esperando para fazer a mesma coisa. Ele nem aí.

Era comum que parentes da cidade maior hospedassem parentes da cidade menor. Era comum que isso nem fosse cobrado. Afinal, naquela época havia parentes de verdade.

Isso tudo se passou antes de Cosme mudar definitivamente de cidade para cursar o ensino médio. Foi da professora de geografia que ouviu pela primeira vez a palavra mágica parecida com seu nome, mas que carregava outro significado. Cada vez que alguém a pronunciava, ele estremecia, de maneira que passou a dar mais valor a si mesmo, de maneira que tratou de dar um rumo na vida, apesar do nariz comprido e fino, do jeito de andar feito folha ao vento, de vestir calça de tergal apertada por cinto na cintura fina e de ainda não ter tido uma namorada, apenas sonhos com a professora de geografia.

Cosmos. Cosme. Deu para brincar com o próprio nome. Cosme. Come. De comer em português; de vir, aproximar-se em inglês. Cosmos de um universo inteiro, de estrelas e constelações, como de comparação. Cosme então se sentiu um cosmos dentro de um corpo e passou a ler muito e, meio sem querer, passou a ser o primeiro aluno da classe, apesar do nariz pontiagudo e horrível, apesar do cinto que apertava a cintura cada vez mais fina e apesar de nenhuma menina bonita lhe dar a menor bola. Não tinha importância, ele preferia as feias.

Semana passada, Cosme entrou na fila da Caixa para a retirada do fundo de garantia. Cinco horas na fila com pessoas cujos nomes começavam pela letra C. Ousou perguntar apenas os nomes dos mais próximos: Cacilda, Carlos, Cleonice, Camila, Clodoaldo. Adorava quando perguntavam pelo seu: Cosme.

Foi capaz de inventar nomes para outras pessoas da fila: Constância, para uma mulher que não mudava de expressão; Calêndula, para uma moça muito calada; Custódio, para um homem de olhar sofrido; Clara, para uma jovem de olhos límpidos.

As pessoas comentavam o que fariam com o dinheiro: Cláudio guardaria na poupança; Clodoaldo compraria um apartamento, Custódio pagaria as dívidas; Cacilda ajudaria a mãe que perdera quase tudo na enchente; Camila trocaria de carro; Cleonice ainda não decidira o que fazer com o dinheiro.

Cosme comprou uma luneta.

In: jornal A Notícia, Anexo, p. 03 (26/01/2009)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Política

Ele enxergava apenas com o olho esquerdo. Por isso, deitar do lado esquerdo virou um hábito. Outro hábito: dizer-lhe carinhosamente que era uma mulher de esquerda.

Nada mais sexy do que duas pessoas que se gostam deitarem uma ao lado da outra na cama, abrirem cada qual seu livro e lerem e rirem e trocarem ideias. Depois, quem sabe, fazer amor, daquele que começa meio por acaso, talvez motivado pela palavrinha tola escrita inocentemente por algum autor de esquerda ou anarquista.

Ou talvez ela estivesse lendo contos eróticos disfarçando a capa do livro com papel de presente, só para que o homem à sua direita não percebesse que ela precisava de motivações ou, pior ainda, descobrisse que fosse (mal) acostumada e afeita a esse tipo de leitura.

Por certo, encapara o livro que nem era seu (pegara emprestado na biblioteca). Ela podia até ser de esquerda, mas de boba não tinha nada. Quanto a ele, podia até faltar um olho, mas esse olho não fazia falta.

Costumava ler livros de esquerda, estava metido em política estudantil, de modo que tudo isso a fascinava, o fato dele gostar de política, mais o fato dele gostar de ler e, é claro, adorava que fosse cego de um olho, mas nunca lhe confessaria.

Talvez no livro de esquerda que ele estivesse lendo, alguma personagem revolucionária lhe inspirasse ao sexo, e, por encontrar deitada do seu lado esquerdo a namorada, sentisse vontade de tocá-la.

Pergunta com os lábios entreabertos, quase a beijando de tão perto: que livro lês? Mente, leio “A mãe”, do Gorki, ele se apaixona na hora e a beija, abraça carinhosamente e diz: te amo, também te amo.

A partir desse instante, não enxergamos mais o da direita ou o da esquerda, embora saiba que, acima dela, nariz sobre nariz, qual lado seu está sendo visto e qual imaginado. Sabe (ou imagina) que, após o sexo, ele voltará a conversar sobre o livro. A não ser que peguem no sono, como daquela vez que...

Dessa vez não dormiram. Ele perguntou se estava gostando do livro, disse que sim, que também sentia vontade de participar de manifestos, que era contra coisas que via, que odiava o sistema etc. e tal. Ele acreditava em tudo que ouvia.

Ela também acreditava em tudo que dizia, mas não entendia bem por que certos lados da vida lhe atraíam tanto, principalmente os que ficavam mais à esquerda, por isso soube desde a primeira olhada que ele seria o homem da sua vida. Mas a vida de anarquista não permitiria uma união conjugal estável enquanto havia todo um mundo a desbravar pelo lado esquerdo: greves, manifestos, revoluções.

In: Jornal A Notícia, Anexo, p.3 (19/01/2009)

domingo, 11 de janeiro de 2009

A ENCHENTE

(poema de Alcides Buss)

Estavam todos ali.
As casas tinham jardins
e, nos jardins, insetos e pássaros
teciam os dias azuis.

Bem perto, o rio
levava as tardes, exaustas,
e trazia as manhãs
repletas de tudo que vai
nos bornais de cada um.

Das casas e do rio
honravam-se as crianças e seus pais,
os parentes e amigos,
a tribo, enfim, do dia-a-dia
moderno e secular.

No cotidiano servir
não cabia vislumbrar a sina cíclica
sob a túnica do céu.
Preciso era desnudar os deuses
e aí, sim, buscar esse saber
que desconstrói o sonho
para, em novo patamar,
refazê-lo mais próximo
das humanas serventias.

Que a ira lá do céu
tão forte fosse desabar
na cabeça dos mortais,
isso ninguém pensava
até bem pouco, nos dias
que, rápidos, se vão.

De tal forma caiu
que rasgou a tessitura
do verde com o chão;
rasurou a geografia;
as entranhas domésticas
turvou e, das dores a maior,
ceifou de muitos o cordão da vida.

Perguntam-se as almas espontâneas
se merecida era tal desdita.
A resposta que ganham
é um fio de voz
no aparato das ajudas, bem-vindas,
incapazes, porém,
de fazer voltar a vida
ao que era até então.

Alcides Buss é um dos mais queridos poetas de SC. Publicou mais de dez livros de poesia. Criador dos varais literários e do Movimento de Ação do Livro: o Livro em Movimentção.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

2009

Consultei dona Dominga, benzedeira e adivinha. Não é pessoa famosa. Magrinha, parece que nem anda, levita. Eu perguntava, ela respondia. Repasso um trecho da conversa.

2009 será um ano bom?

2 + 9 = 11 – no tarô, força, trabalho. Em 2009, portanto, as coisas serão conquistadas por meio de muito trabalho. Nada cairá do céu, apenas chuva.

E para as mulheres?

1 + 1 = 2 – Papisa na carta do tarô, indicando que em 2009 a intuição feminina terá papel importante. Ou seja, as mulheres estarão em alta: Dilma Rousseff, Carla Bruni-Sarkozy...

O povo catarinense está com medo das enchentes, quais as previsões?

Sempre houve enchentes e sempre haverá. O que não havia antes é tanta gente. Meu Deus, como tem gente neste mundo! Tudo é extraído do planeta: casa, comida, produtos tecnológicos. Em troca, o que damos? Lixo e poluição!

E na política?

É ano dos prefeitos eleitos arregaçarem as mangas e tratarem de fazer bons governos. Na hora da eleição, todo mundo fala em cultura e educação, depois, eles querem que Deus faça o milagre. Pagam mal os professores, não contratam bibliotecários e acham caro montar boas bibliotecas. Depois, reclamam que o brasileiro não gosta de ler. Trabalho e força do 11, nenhum prestígio virá de graça.

E para o planeta, quais as previsões?

Um percentual da força de trabalho deveria ser investido na preservação e recuperação do planeta. A mãe terra precisa de cuidados. Ouvi sussurros de que o tsunami que matou milhares de pessoas em 2004 na Ásia, pode ter sido provocado por testes nucleares em alto-mar, assim como há indícios de que a explosão do gasoduto esteja relacionada às rachaduras dos morros de Santa Catarina. A quem interessam o gás e a energia nuclear? A mim nada disso interessa, não tenho carro e minha casinha de dois cômodos não tem luz elétrica.

Qual conselho a senhora daria às pessoas?

Que economizem matéria e distribuam afeto. Acabar com essa confusão de que precisa ter isso e aquilo para vencer. O sujeito estará vencendo até que morre, daí, os filhos brigarão pela herança, em seguida venderão a empresa da família mais a casa antiquada e comprarão tudo novo. Nem precisa ser a sábia Dominga pra perceber essas coisas (risos). A mãe natureza tá avisando faz tempo, mas o homem pensa que pode mais que ela, brinca de ganhar dinheiro, devasta, bota gado na Amazônia, diz de boca cheia que ganha tanto em cada arroba de boi...

A cultura poderia resolver em parte?

A cultura não chega a todos os lugares. Cada um absorve o que pode. Antes, os desiguais estavam longe uns dos outros. Agora está tudo perto, o rico e o pobre lado a lado, vivem como se essa discrepância fosse normal. Na verdade, o pobrezinho é o que menos depreda o planeta.

Então, estamos num beco sem saída?

Não. Deus não fecha uma porta sem que abra uma janela. O problema é que o homem deu pra derrubar paredes em vez de abrir as janelas que Deus deu.
Preciso ir. Quanto custa a consulta?

Duas velas.

Pra rezar pela humanidade?

Não, pra iluminar a casa.

In: Jornal A Notícia, Anexo, p.3 (05/01/2009)