segunda-feira, 10 de setembro de 2007

discrição




em todos os cantos
um grilo escondido

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Bicicletas

Foi por acaso que as encontrei numa rua do centro, quando voltava para casa. Pergunto à menina:
– Alguma novidade?
Ela não responde, dá dois pulinhos e agarra a mão de sua mãe. Em seguida, cochicha no meu ouvido:
– Meu pai tirou as rodinhas da bicicleta.
– Como?
– Meu pai tirou as rodinhas da bicicleta.
Essa devia ser a novidade. A menina aprendera a andar de bicicleta sem aquelas duas rodinhas laterais.
– És muito corajosa, parabéns!
A pequena sorri satisfeita. A mãe estava com pressa. Despedimo-nos.
Volto no tempo. Tínhamos várias bicicletas: nenhuma bonita, nenhuma da moda, nenhuma com marcha. As minhas amiguinhas tinham bicicletas com cestinha. Eu não tinha a “minha” bicicleta. Tínhamos bicicletas na família. E ponto.
Aprendi a andar de bicicleta no terreiro de casa, alguém segurava na parte de trás do veículo e prometia não soltar de modo algum enquanto o aprendiz pedalasse sem olhar pra trás. De repente, já não havia ninguém segurando a bicicleta, então, das duas uma, ou você caía ou aprendia. Após algumas quedas, aprendi. Ainda não haviam inventado as tais rodinhas.
Não era importante ter uma bicicleta de cestinha, logo cresceria e aprenderia a dirigir. Teria uma moto igual à do meu irmão adulto. Trabalharia e seria livre. Viajaria pelas ruas empoeiradas do interior. Eu e minha calça desbotada, eu e minha turma.As colegas da rua me adoravam. Só havia um problema: não gostava de brincar de casinha. Adorava planejar a casinha e inventar as personagens que ali viveriam, mas na hora de fazer comidinha, lavar pratinhos, ah, achava tudo tão bobinho, então, elas se chateavam comigo. Numa dessas chateações, convidei minha amiguinha pra dar uma volta de bicicleta, na tentativa de fazer as pazes. Pedalávamos na rua empoeirada, lado a lado:
– Quer andar na minha Ceci? (era assim que se chamava a bicicleta.)
– Não, prefiro andar na minha, disse.
– Essa daí? Pensei que fosse da tua irmã.
– É de todos lá de casa, somos socialistas (inventei na hora).
– Parece bicicleta de homem, provocou.
– Não é não. A de homem tem ferro, essa aqui não, só é antiga e meio desbotada! (Não pise nos meus calos, pensei, mudando de assunto.)
– Vamos subir o morro?
Um morro alto e cheio de curvas, quase um desfiladeiro. Ela concordou, não queria ficar por baixo. Subimos ofegantes, empurrando nossas bicicletas. Desci na velocidade da luz. Quase na metade do morro e antes da curva, olho pra trás: lá vinha ela descendo a pé, carregando sua Ceci. Não teve coragem. Continuei meu vôo. Parei na frente de casa com uma freada sonora, escrevendo um semicírculo no chão. Sentei no muro e esperei. Ela não parou para falar comigo. Ficamos “de mal” uns dois dias. E “de bem”, até brincar de casinha.