segunda-feira, 31 de março de 2008

Um ano de blog

Parece que foi ontem que, timidamente, postei um texto no blog, dando início à minha vida de blogueira. Na época, lançava o livro Borboletras no espaço cultural Quintal, daí o nome, Borboletrasnoquintal. O primeiro passo, claro, foi criar um nome no Blogspot. Em seguida, escolher o modelo, configurar, ou seja, lidar com o programa, que no início parece um pouco difícil, mas com o tempo se torna uma brincadeira das mais gostosas.

Postava um poema aqui, uma crônica ali, até que um dia me deu uma crise danada. A crise do “ninguém me lê”. On-line no blog, deixei vazar minha insatisfação em forma de um poema, o Riscado. Meses depois, navegando no vasto mundo da internet, soube do Prêmio Literário Hernâni Cidade, promovido pelo município de Redondo, Portugal, com o tema “blogues”. Não pensei duas vezes, enviei o poema. Não é que levou uma menção honrosa? Isso foi um sinal para continuar com o projeto blog. Decido muitas coisas assim, através dos sinais que recebo.

Costumo postar no blog uma vez por semana, sem dia certo, para dar tempo das pessoas lerem e/ou comentarem. Tento caprichar, fazer bonito. Sei por experiência própria que, quando visitamos um blog aleatoriamente, lemos a primeira postagem apresentada na tela, caso o texto nos agrade, rolamos a tela para ler mais e passamos a freqüentá-lo.

Antes de criar o meu, freqüentava blogs dos outros. Cada um posta de um jeito e há vários modelos. Também há espaço para comentários dos leitores. Sou daquelas que comenta durante as visitas, gosto dessa troca, da rede de amigos que vai se formando, mas claro, coloco um limite, sei que disponho de um tempo limitado para isso.

O blog ajuda em muitas coisas. Posto meu texto e no mesmo instante alguém me lê em Joinville ou Paris. A que ponto a tecnologia evoluiu. Tudo tão perto e fácil. Sem a espera do editor, que muitas vezes leva anos. Com isso, a angústia da gaveta diminuiu. Disponibilizo meus textos publicados e não publicados. Poemas inéditos, poemas prontos, textos em construção, algumas crônicas.

Nos blogs leio poemas inéditos, diários, artigos, opiniões... De certa forma, os blogs são o modelo ideal de jornal diário pra mim, já sei em quais me atualizo de notícias culturais, ou de crônicas do quotidiano ou de bons poemas. Contudo, reservo um tempo para o novo, para as descobertas, pois navegar sem destino, também é preciso.

Noutro dia, Ziraldo sugeriu que as escolas obrigassem os alunos a escreverem diários. Sugiro que os professores incentivem seus alunos a criarem blogs individuais ou coletivos. E claro, a navegarem. Já diziam os navegadores antigos, citados por Fernando Pessoa: navegar é preciso, viver não é preciso.

In: Jornal A Notícia, Anexo, p. 03

quinta-feira, 27 de março de 2008

Abelhas

sob a jabuticabeira
minúsculos sóis de seda
(dançam?)
sobre pérolas negras

segunda-feira, 24 de março de 2008

Cabeleira (crônica)

Minha amiga cortou o cabelo curto e ficou bonita. Da última vez, cortei com Irene. Lembro do nome porque brinquei: quero ver Irene rir (música de Caetano). Fiz cara de muita decepção quando ela me mostrou no espelho o resultado do corte. Fingi bem, acho, pois Irene quase chorou. Depois, disse a verdade: estava lindo, ela tinha lido meus pensamentos, cortado do jeito que queria, apesar de eu nem saber explicar direito... Irene riu gostoso.

Chorei mais de uma vez por causa de corte de cabelo. Lembro como se fosse hoje. Mamãe buscou a tesoura e não teve dó. O chão forrou-se de cabelos e lágrimas. Foi para minimizar o efeito dos piolhos. Bichinhos danados, eu bem que dizia para mamãe que a cabeça coçava. Quando ela prestou atenção em mim, era tarde, já haviam procriado na minha cabeça e nos meus cabelos longos. O pior foi chegar na escola exibindo o famoso e detestável corte penico. A Marilete, mal me viu, comentou: Suzana, que pescoço comprido você tem. Não sou o lobo disfarçado de vovozinha, pensei. Na verdade, me sentia uma tolinha por conta daquele cabelo. Depois, aos poucos, esqueci. E o cabelo, claro, cresceu.

Essa aconteceu quando morava em Florianópolis. A minha amiga chique me indicou um salão da Trindade. Esperei o dia do pagamento da bolsa-trabalho e fui cortar o cabelo, antes perguntei se lavando o preço seria o mesmo (alguns salões cobram uma fortuna para lavar cabelo). A moça não tinha cara de quem conhecesse o ofício. Apesar de estranhar o jeito dela cortar, respirei fundo e tentei relaxar, pois, se a deixasse nervosa, poderia levar uma tesourada. Após quase uma hora, ela conseguiu dar o corte por terminado. Chegando em casa, minha colega de apartamento me olha abismada: quem entortou teu cabelo? Voltei lá no dia seguinte e exigi que a dona do salão chique endireitasse meu cabelo. Segunda ela, a moça havia sido demitida, exibira um diploma falso de cabeleireira. Estragou algumas cabeças da Trindade, acho. Ou lançou a moda dos cabelos tortos, nunca se sabe...

É muito fácil cortar cabelo, é só chegar no local em que se corta cabelo e pedir: quero isso e aquilo e pronto. Sai igualzinho a gente pede, não é verdade? Não, não é verdade. Uma vez, pedi ao moço que cortasse apenas as pontinhas do meu cabelo, porém queria o comprimento de trás em forma de um "v", que naquela época estava na moda. Saí de lá com um corte pigmaleão (muito bem cortado, é verdade) que me deixou horrível e sem vontade de ir à festa alguma.

Gostava de cortar com a Úrsula. Levava tesoura e pente, ela cortava apenas as pontas, geralmente sob um pé de laranja, para não sujar a casa. Só não podia ser em dia de ventania. Dou a crônica por encerrada, marquei hora com a Irene, vamos vez se ela me fará rir,
ou chorar.

In: Jornal A Notícia, Caderno Anexo, p. 3

segunda-feira, 17 de março de 2008

Poema de Páscoa

O artista tem de ir aonde o povo está
sentindo
fui sentir junto com eles e elas todos
na Sexta-feira da Paixão.

O povo seguia em procissão sentindo a dor de Deus
fui seguindo a procissão, sentindo a dor de Deus
e do povo que é seu, até chegarmos à igreja
aleluia, amém.

O Cristo carregando a cruz era triste e era povo
andei com o Cristo e o peso da cruz me vergou
de joelhos, rezei, implorei para Deus me sorrir.

Senti quando a nuvem desceu sobre mim,
eram anjos, eu vi, eu senti, não me iludo,
senti, sou povo sentindo o mundo
sentindo, senti o sentido de tudo.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Galáxias

Cometi um poema
um cometa
sem eira nem beira
na beira da cama

Cometi um cometa
um poema
sem beira nem eira
na cabeceira da cama

Cometemos
o universo todo
numa casca de nós
mesclada

segunda-feira, 3 de março de 2008

Sábado ou domingo


Para Regina

- O que você faz?
- Nado.
- Nada?
- Não, eu disse nado.
- Ah, entendi. Só isso, você faz apenas isso?
- Não, faço mais coisas.
- Que outras coisas?
- Vôo.
- Humm... interessante.
- Também acho interessante.
- Qual outra coisa?
- Quê?
- Qual outra coisa você faz?
- Mergulho.
- Puxa!
- A bem da verdade, eu mais mergulho que nado.
- Entendi.
- Ufa!
- Você gosta mais de mergulhar ou voar?
- Depende.
Silêncio.
- Depende de quê?
- De muitas coisas.
- Já vi que você gosta da palavra “coisas”.
- Gosto de sossego.
- Desculpe.
Som de brisa.
- E você, o que faz aqui?
- Nada. Quer dizer, escrevo.
- Sobre o quê?
- Sobre coisas que me tocam.
- Humm... coisas...
- Desculpe, você me fez ficar contemplativa e sem vontade de nomear as coisas (falei “coisas” de novo).
- Compreendo.
Silêncio e meio riso.
- Que mais você faz?
- Ando em secos e alagados.
- Qual você prefere?
- O alagado.
- E para voar?
- O céu.
- Com nuvens ou sem?
- Tanto faz.
- Prefiro sem.
- Você voa também?
- Não. Para olhar, prefiro sem.
- Voar é incrível!
- Eu sei.
- Sabe como?
- Presumo.
- Voar em bando então...
- Por falar nisso, cadê as outras?
- Por aí. Cada uma na sua.
- Liberdade.
- Graça.
Garça.

(Crédito foto: Regina Carvalho)