Tchau. Despeço-me sem lágrimas. Não foste o melhor. Contudo, não foste o pior. Em alguns momentos, confesso, desejei a tua partida, mas nada disse, silenciei e esperei. Alguns te dirão: já vai tarde.
Virou hábito despedirmo-nos do ano que se vai. Como se o ano fosse uma coisa palpável. De certa forma, é. Podemos imaginá-lo uma linha na qual pontuamos os acontecimentos de um período, entre janeiro e dezembro. Nesta linha ou percurso, podemos nos situar e assim fazer uma retrospectiva pessoal.
Ao delinear a retrospectiva pessoal você pode se surpreender com quantas coisas conseguiu fazer ou com quantas não conseguiu. Pode ser que o tempo tenha sido traiçoeiro com você, ou você com ele. Não é o ano que é bom ou ruim. É o homem que tropeça aqui e acolá, na tentativa de acertar. Vale a pena se despedir ou não há qualquer fundamento neste rito de passagem que todo ano se repete?
Tenho por hábito não começar nada realmente novo em dezembro. Desacelero no fim de novembro. Dezembro é tempo de fechar as arestas, concluir. Dezembro é fechamento, acerto, reflexão e despedida.Despedir-se é desapegar-se. Largar o velho. Idéias que não funcionam precisam ser abandonadas. Pensamentos que nos fazem mal é melhor largar, soltar, para começar o ano livre das velharias. Velharia é o que não serve pra nada, como a mágoa guardada na mala. Velharia é deixar de ir à praia ou colocar um biquíni porque se está acima do peso. Velho é o que nos limita de viver bem. Novo é o que nos deixa feliz.
Cada pessoa pode ter seu próprio rito de passagem. O meu inclui solidão e natureza. A natureza me realinha para o novo ano que chega, mostra-me os enganos, os excessos, reconduz-me para o caminho do meio e da verdade, me dá energia e limpa os meus pensamentos.
Com as árvores aprendo a ser generosa: oxigênio, folhas, madeira, flores, frutos, é o que nos dão, sem pedir nada em troca, apenas que paremos e observemos; as pedras me falam de força e paciência; as montanhas me sussurram as grandes verdades que estão bem diante dos olhos e não enxergamos; as ondas do mar me ensinam que a alegria ora vai, ora vem (pra que desesperar?); as flores, lindas e efêmeras, parecem dizer: em tudo há beleza, mas passa, saiba olhar no tempo certo.
Termino o último pedacinho da linha do ano tomando muitos banhos, de lagoa, mar, cachoeira; deslumbrando-me com o vôo de um pato selvagem, deixando a pele branca receber com muita calma o primeiro sol. Largando-me de tudo. Dos papéis que exerço. Para ser aquela que verdadeiramente sou. Eu sou.
Assim, depois de amanhã, quando você se for, ano velho, estarei pronta para te soltar. É muito provável que não faça nenhum pedido, apenas mergulhe dentro de mim, feito um pato selvagem, em busca daquele tesouro que todos levam dentro.
In: Jornal a Notícia, Anexo, p. 3 (29/12/2008)
Virou hábito despedirmo-nos do ano que se vai. Como se o ano fosse uma coisa palpável. De certa forma, é. Podemos imaginá-lo uma linha na qual pontuamos os acontecimentos de um período, entre janeiro e dezembro. Nesta linha ou percurso, podemos nos situar e assim fazer uma retrospectiva pessoal.
Ao delinear a retrospectiva pessoal você pode se surpreender com quantas coisas conseguiu fazer ou com quantas não conseguiu. Pode ser que o tempo tenha sido traiçoeiro com você, ou você com ele. Não é o ano que é bom ou ruim. É o homem que tropeça aqui e acolá, na tentativa de acertar. Vale a pena se despedir ou não há qualquer fundamento neste rito de passagem que todo ano se repete?
Tenho por hábito não começar nada realmente novo em dezembro. Desacelero no fim de novembro. Dezembro é tempo de fechar as arestas, concluir. Dezembro é fechamento, acerto, reflexão e despedida.Despedir-se é desapegar-se. Largar o velho. Idéias que não funcionam precisam ser abandonadas. Pensamentos que nos fazem mal é melhor largar, soltar, para começar o ano livre das velharias. Velharia é o que não serve pra nada, como a mágoa guardada na mala. Velharia é deixar de ir à praia ou colocar um biquíni porque se está acima do peso. Velho é o que nos limita de viver bem. Novo é o que nos deixa feliz.
Cada pessoa pode ter seu próprio rito de passagem. O meu inclui solidão e natureza. A natureza me realinha para o novo ano que chega, mostra-me os enganos, os excessos, reconduz-me para o caminho do meio e da verdade, me dá energia e limpa os meus pensamentos.
Com as árvores aprendo a ser generosa: oxigênio, folhas, madeira, flores, frutos, é o que nos dão, sem pedir nada em troca, apenas que paremos e observemos; as pedras me falam de força e paciência; as montanhas me sussurram as grandes verdades que estão bem diante dos olhos e não enxergamos; as ondas do mar me ensinam que a alegria ora vai, ora vem (pra que desesperar?); as flores, lindas e efêmeras, parecem dizer: em tudo há beleza, mas passa, saiba olhar no tempo certo.
Termino o último pedacinho da linha do ano tomando muitos banhos, de lagoa, mar, cachoeira; deslumbrando-me com o vôo de um pato selvagem, deixando a pele branca receber com muita calma o primeiro sol. Largando-me de tudo. Dos papéis que exerço. Para ser aquela que verdadeiramente sou. Eu sou.
Assim, depois de amanhã, quando você se for, ano velho, estarei pronta para te soltar. É muito provável que não faça nenhum pedido, apenas mergulhe dentro de mim, feito um pato selvagem, em busca daquele tesouro que todos levam dentro.
In: Jornal a Notícia, Anexo, p. 3 (29/12/2008)