quinta-feira, 29 de março de 2007

Viajar para escrever (opinião)

Se a Companhia das Letras me convidar para viajar e escrever, ou, escrever e viajar, eu topo.
Aliás, entre os 16 felizardos, constam apenas três escritoras (13 são homens).
Se quiserem me convidar para equilibrar o time, consultarei minha agenda.
Para onde? Montevidéu.
Um mês em busca do amor nas ruas de Montevidéu.
Que tal outra Editora formar outro time de escritores?
Quem sabe buscar outra coisa: a si mesmo, por exemplo.

Onírica

a avenida extensa e submersa
no frenesi dos carros coloridos
ensurdeceu

não ouve mais
buzinas
motores
freadas bruscas

adormecida - à noite -, ouve
um grilo no jardim do sonho

acorda comovida

Farra-do-boi (crônica)

Estava quieto no meu canto, como sempre faço e como sempre fizeram meus ancestrais bovinos. Do lado materno, tenho ascendência holandesa e, do paterno, ainda não sabemos. Um primo estuda a árvore genealógica da família no intuito de esclarecer nossas raízes. Por falar em raízes, estou com fome. Dirigia-me ao pasto quando me cercaram e me prenderam. “Para mais tarde”, disseram.

Meu dono não me tratou mal, nada me faltou. Os humanos pensam que não entendemos a língua deles, por isso falam coisas terríveis quando estamos perto. Fato é que nos tratam bem, para em seguida nos matar. De nossas esposas, tiram o leite. Enfim, dão pouco comparado ao que nos tiram.

Não gostei de uma conversa que ouvi. Na verdade, estou com medo. Sou um boi velho. Merecia uma aposentadoria tranqüila, ao lado de uma vaquinha. Sei que deve estar pensando que não sou um touro, sei disso; mesmo assim, adoraria uma companheira para ruminar comigo. Falam em farra-do-boi. Da primeira vez que ouvi, fiquei animado, pensei que estivessem organizando uma festinha em minha homenagem.

Uma corda me puxa. Levam-me por uma rua estreita. Qualquer bovino sabe que homenagens não acontecem em lugares assim. Pedras. Atiram em mim? Acertam meu olho direito. Ai!, que dor insuportável! Mais pedras, e gritos. Desato a correr, alcanço a praia. Com o olho que não sangra vislumbro o mar. E se entrasse ali e lavasse o olho para estancar o sangue? Com o olho são contemplo o mar: tão lindo! Lembro de papai me mostrando o mar pela primeira vez... Ai! Que foi isso agora? Enfiam uma vara de bambu no meu dorso. O que deu nesses homens, enlouqueceram?

Desato a correr, apesar da dor. Quase não enxergo, atropelo alguma coisa. Pulo a cerca de uma casa. Nunca havia feito isso, fui um boi comportado. Consigo alcançar a rua. A multidão me persegue, agora mais enraivecida do que antes. “Isso é pelo menino atropelado”, escuto alguém gritar com ódio do alto do telhado de uma casa, no momento em que me atira uma pedra gigante. Sou atingido e cambaleio; por fim, desabo.

O homem que me atirou a pedra se aproxima, exibe-se para os outros: passa uma vara no meu dorso, desenhando ranhuras de sangue. Pressinto que vou morrer. Lembrei de um atalho que leva para o penhasco rente ao mar. Com as poucas forças que ainda me restavam, levantei num ímpeto e saí cambaleante. A multidão me perseguindo. Subi aquele calvário com um único pensamento: saltar.

In: Caderno Anexo (Jornal a Notícia - 19/03/2007)

quarta-feira, 28 de março de 2007

E tudo estava aceso (crônica)

“Quem não tem o paraíso dentro

jamais o encontrará fora”

Angelus Silesius

As árvores acendiam-se de frutos vermelhos. O céu estampava-se de estrelas. O vento balançava sininhos. Quem disse que o amor só acontece na adolescência? O amor acontece quando tem de acontecer.

E tudo estava aceso: os olhos cintilavam, o coração em novo ritmo, os pássaros à janela, café fumegante. E tudo conspirava. Um dia assim merece um vestido vermelho de cintura marcada e sapatilhas delicadas. Num dia assim somos irresistíveis, não há quem não se curve ao nosso encanto. Feito um conto de fadas, por onde quer que passemos, tudo se transforma, o chão floresce pétalas de rosas, o ar se enche de pássaros e as árvores de flores e frutas vermelhas. Erguemos o braço e apanhamos uma cereja.

Não era Chapeuzinho Vermelho, nem Branca de Neve, nem Cinderela. Era ela e o mundo numa esfera acima, onde não há temores, nem rumores, nem reticências, onde reina a harmonia perfeita. Mas como chegar lá? Como ser completo sem temer? Melhor não refletir agora. Existe um outro tempo para isso. Há tempo para tudo nessa vida. Agora é tempo dos riachos, do caminhar descalça pelos bosques, de sentir a leveza dos vôos da floresta, de sentir-se pulsando, de sentir-se dentro. Ergue os braços e voa.

De cima tudo se transforma, entra-se num vácuo de perfeição. Não voamos sós, muitos nos acompanham. Tantos outros que conseguiram estar além e acima do cotidiano, da matéria, da mesmice, das preocupações inúteis. E muitas vezes o vôo, feito o das aves, toma a forma de um “V”, onde os voadores se revezam, se intercalam, sem que precisem dizer nada, e assim, num esforço menor e em pleno equilíbrio, voam suaves enquanto as penas brilham raios solares.Para estes, tanto faz subir ao infinito, ou descer a terra, pois não se contaminam, não se queimam, nada os deforma, apenas os transforma. Ficam por desprendimento, por contentamento, ou por compaixão daqueles que levam o peso de Sísifo. E há tantos destes pesos, quanto há homens.

Por isso o dia acende. Por isso o sol brilha e as estrelas sorriem. Para que olhemos, sentimos e vibremos. Não era para ser tudo tão penoso. Era para ser tudo mais vôo e cintilância.

Nos caminhos do bosque, nas florestas encantadas, em algum lugar, em algum momento, alguma coisa deixou de brilhar, alguma coisa quer ser retomada, algum sonho quer acordar, ou desejo, alguma flor à beira do caminho, um canto de passarinho, um poema, um vestido, um olhar de criança, um saquinho de pipoca após a missa, chinelos perdidos no riacho, bonecas pedindo roupinhas, mãos pedindo carinho, lua sonhando beijos.

Em algum lugar está o elo, não perdido, à espera. Não é lá fora, nos arranha-céus, nos carros novos, nem na casa maior e mais cara. Está em outro lugar. Ouve-se um riso de contentamento. Vem da terra? Vem do céu?Vem do universo dentro.

In: Caderno Anexo (Jornal A Notícia - 26/03/2007)

efeito estufa

o céu tão quente
derreteu

choveu
sorvete azul
e bolinhas
de gelo
refrescantes
para meninos colherem
nas ruas do centro
do sol
que queima sob os pés
nem tão delicados assim
na biblioteca
o bibliocanto
tão intro
metida nesse
encanto
lírico
eu lesma
persisto
Borboletras no quintal

não sei ainda a que veio a abertura deste blog. novas experiências. compartilhar.

borboletras no quintal. por causa do meu livro de poemas. o primeiro vôo solo.

quintal é um lugar gostoso.