terça-feira, 22 de abril de 2008

Met amor fose

Quando o amor morreu
plantei duas árvores

isso faz tempo

olhando para o pomar
ninguém diz, nem o vento
que ao terminar por dentro
o amor cresceu vermelho
pendurado nas frutas

In: Coletânea Sinergia

domingo, 20 de abril de 2008

Poema de domingo

Autor: Ademir Demarchi


Diz-se
quando todos os pássaros voam
ao mesmo tempo, sem razão
apenas para o espaço
voam
Diz-se
quando também o amante diz
e as labaredas lambem
bis
Diz-se
na ausência das palavras
e na inexistência de interlocutores
Diz-se
o tempo todo
e na quimera de nada se ter a dizer
Diz-se sibilinamente
e com volúpia
a utopia prazerosa de dizer
* *
*
Ademir Demarchi nasceu em Maringá (PR) e vive em Campinas (SP). Editor da revista Babel, tem vários livros publicados. Seu livro mais recente é Os mortos na sala de jantar, pela editora Realejo.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Na minha cidade não tem gaivota
na minha cidade tem pensamento
que vai e volta (moro num vale)

nem sempre o pensamento volta
para seu lugar de origem

por isso, de repente
alguém desta cidade te surpreende

e voa

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Carta de Clarice*

Querida Suzana,

Desculpe a demora em responder. A folha chegou inteira e bela. Agradeço o convite para o licor de figo e para o doce de polvilho. Devem ser deliciosos.

Estive te observando enquanto lias as minhas cartas. Confesso que, de início, fiquei um pouco chateada. Não esperava ver minha correspondência privada publicada em livro, disponibilizada ao público. Qual o direito de um morto? Mudei de opinião ao perceber que os leitores aprendem lendo minhas cartas, inclusive você. Observei que anotas a lápis nos cantos das cartas quando tratam dos meus escritos ou traduções. Isso compensa o pesar.

Também notei que não sabias muito sobre a minha vida e que, de início, a leitura não engrenou, você iniciou umas três vezes e largou, contudo, na semana passada, voltavas do trabalho pensando no livro, ansiosa para retomar a leitura e assim compor um mosaico da Clarice escritora. Detalhe importante: havia publicado apenas um livro quando eu e Maury fomos morar na Europa. Tempos difíceis, o mundo ainda em guerra. Minha tristeza é visível. Nem tu imaginavas que a minha carreira de escritora houvesse sido tão difícil, não sabias da minha ansiedade e angústia (e do meu cansaço) em dar um livro por terminado, antes que o mesmo me matasse.

Agora você sabe um pouco mais sobre mim. Sabe, por exemplo, da dificuldade para encontrar uma editora no Brasil que publicasse meus livros, mesmo tendo por amigos Rubem Braga, Fernando Sabino e Érico Veríssimo. De como vibrei quando a revista de uma universidade norte-americana publicou meu conto "Amor". De como me chateava quando as traduções dos meus textos não eram bem feitas. E, principalmente, como me chateavam os jantares que organizava.

Você deve ter notado que praticamente todas as cartas tecem algum comentário sobre o meu trabalho, ora pedindo uma opinião à Tânia (irmã), ora reclamando da resposta da editora que não vinha, ou do pagamento. Assim como você deve ter percebido que a partir do nascimento de Pedro fiquei mais alegrinha, não tive mais aquelas crises de solidão. Se bem que as cartas, naturalmente, rarearam. Depois nasceu Paulinho. Nessa época já morava em Washington. Os filhos, sem dúvida, deram novo sentido à minha vida, trouxeram cor à frieza que é morar no exterior, longe das pessoas queridas.

Em nenhum momento cogitei não ser escritora. Isso você percebeu. Assim como você deve ter observado que havia um grande amor entre mim e minhas queridas irmãs, formávamos o trio Lispector, daí o título do livro publicado pela Rocco: "Minhas Queridas". Uma edição bem cuidada, sem dúvida, mas eu preferiria que as notas estivessem ao pé de página e não ao final do livro, dá um certo trabalho durante a leitura, é pau, você não acha?

Soube que tua mãe ganhou um cachorro. Coitadinho, vocês precisam definir um nome para ele, ela o chama de Teté, você o chama de Totó, Luísa de Pitoco... Eu o chamaria de Dilermando.

Seja feliz, seja alegre, Deus te abençoe.

Clarice

* Resposta fictícia de Clarice Lispector à carta que escrevi para a promoção "Minhas Queridas", da editora Rocco.

domingo, 13 de abril de 2008

Poema de domingo

Lendo Emily Dickinson
Poema de Emanuel Medeiros Vieira
Para Célia de Sousa

Poderia ser 1830,
quando nasceste,
mas é 2008,
chuvoso domingo de março,
não publicaste livro em vida (o que menos importa).
“Ela chegou afinal, mais ágil porém a Morte
Havia ocupado a casa:
A pálida mobília já disposta,
Junto com sua palidez metálica” (...).
Só poeira e esquecimento,
nada dura,
Felicidade efêmera – ler teus poemas, Emily.

O domingo fluindo,
tempo: linha reta de eterna agonia.
Não existe presente, só passado.
Nem futuro.
A namorada de 1968 jaz num cemitério de aldeia.
“Empoeirado se mostra o mundo
Ao nos deitarmos para morrer”.
Sim: “Tão longe da compaixão quanto a queixa
Tão frio às palavras quanto a pedra.
Tão insensível à Revelação
Como se meu ofício fosse nada.”
O empenho diário é inútil?
(Para os outros.)
Ah, cidade que me atirou seu presságio
adverso.
Terá termo a espera?
Deve-se matar a morte que sobre nós se abate.
(Peço desculpas aos poetas que pilhei:
confluências.)
Aqui jaz a inocência:
a morte não existe, nós é que morremos.
(Brasília, março de 2008)

Emanuel é catarinense (reside em Brasília). Tem vários livros publicados. Acaba de lançar o primeiro volume de suas memórias.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Passeio no bosque

O caminho dos caetés,
o caminho das mil folhas,
te chamou quando?
Se ias só, o coração pulava pela boca:
tuntum-tuntum
(tambor de rimas apagadas
pelo vento de borracha).
O que temes?
Ô cão late do outro lado da encosta
(para o teu bem, ou teu mal?).
Mata adentro do silêncio,
igual como quando você mergulha
em si, então,
o caminho, os sabiás, a tarde
te visitam,
o riacho te abraça,
as árvores te mostram a direção do céu,
as folhas te lembram poemas,
a boca se lambe pedra,
se abraça musgo:

bosque-aberto,
por onde desliza a fome
de versos.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Vento e pedra

Vento é quando distraidamente canto. Pedra é quando retorno ao texto escrito no momento vento.

O vento é leve, os dedos deslizam no teclado tentando dar conta da euforia que urge. O vento é grávido de urgências, coisas precisam ser ditas, importâncias catadas por onde o vento passou são trazidas para o formato palavra, nuances, quem sabe um olhar de formiga, justamente daquela que caminhava por sobre o muro de pedras frias, levando nas costas a beleza da última flor.

A pedra é fria, meticulosa, cortante. Uma pedrada machuca, duas derrubam. Quem não tem pecados, atire a primeira pedra. Eu não atiro, eu tiro. Tiro leite de pedras. E sai tão pouco. É raro. Por outro lado, é precioso sentir o gosto do esforço, o resultado do trabalho. Muitas vezes o gosto é leite amargo. O amargo gosto da imperfeição. Os textos são largados pela margem do caminho, pedras que se acumulam, ou botões de flor para mais tarde, para um momento ainda incompreensível para estes olhos de pedra.

Nasci num dia de vento. Cresci num mundo de pedras. O vento circula bem entre as pedras, vento escultor. Vento e pedra, um e outro me fascinam. No vento, as roupas balançam, voam. Na pedra, lhe são tirados o acúmulo, o encardido. Estados de espírito. Não sei qual deles virá amanhã. Apenas sinto. Quando é o vento que bate, não tem jeito, não é dia de consertos e revisões, é dia de novidades, criação, invenção. Vento e pedra. Ambos se complementam. Um aprimora o outro.

Impossível falar pedra sem pensar em palavra, impossível ver folhas ao vento e não lembrar de Clarice Lispector, do milagre das folhas de uma crônica, o milagre da natureza na beleza de uma pedra, o milagre da arte na beleza de um poema, quando folhas levadas ao vento, poemas da natureza. Vento e pedra, um para se soltar, outro para aterrissar. Um para desbravar, outro para estabelecer. Um para inventar, outro para cultivar.

O vento é ondulante, um barco em balanço suave sobre as águas, a margarida tremulando no jardim, as folhas do pessegueiro mexendo-se feito sinos, os cabelos todos de um lado durante a caminhada na praia e a vontade de correr, furar onda, rodopiar, isso tudo é vento. O vento é invento.

A pedra é onde sento para olhar o mar, medir o tamanho das ondas, medir-me pequena diante do universo, conter-me, catar conchas, selecionar, encher o olhar de precisão ao ver a sombra da gaivota desenhar-se vôo sobre o mar, uma sombra na sobra do vento.

Uma pessoa não pode ser apenas vento. Uma pessoa também precisa ser pedra. Precisa mergulhar dentro da pedra e descobrir seus mistérios. Até o dia em que a vida seja apenas vento, pó, céu, estrelas.