segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Cosme e as estrelas

Na pequenina cidade em que Cosme nasceu, havia muitas pessoas com nomes piores que o dele. Ninguém se assustava com o seu, essa era a verdade. Talvez se assustassem com o nariz grande de Cosme, ou com seu apetite voraz, apesar da magreza.

A vida lhe trouxe o banho de chuveiro quando, aos 18 anos, foi morar na casa da prima durante o período em que trabalhou numa fábrica de cigarros. Demorava uma hora sob aquela chuva fina e concentrada. Ao sair do banheiro, os moradores da casa estavam em fila, esperando para fazer a mesma coisa. Ele nem aí.

Era comum que parentes da cidade maior hospedassem parentes da cidade menor. Era comum que isso nem fosse cobrado. Afinal, naquela época havia parentes de verdade.

Isso tudo se passou antes de Cosme mudar definitivamente de cidade para cursar o ensino médio. Foi da professora de geografia que ouviu pela primeira vez a palavra mágica parecida com seu nome, mas que carregava outro significado. Cada vez que alguém a pronunciava, ele estremecia, de maneira que passou a dar mais valor a si mesmo, de maneira que tratou de dar um rumo na vida, apesar do nariz comprido e fino, do jeito de andar feito folha ao vento, de vestir calça de tergal apertada por cinto na cintura fina e de ainda não ter tido uma namorada, apenas sonhos com a professora de geografia.

Cosmos. Cosme. Deu para brincar com o próprio nome. Cosme. Come. De comer em português; de vir, aproximar-se em inglês. Cosmos de um universo inteiro, de estrelas e constelações, como de comparação. Cosme então se sentiu um cosmos dentro de um corpo e passou a ler muito e, meio sem querer, passou a ser o primeiro aluno da classe, apesar do nariz pontiagudo e horrível, apesar do cinto que apertava a cintura cada vez mais fina e apesar de nenhuma menina bonita lhe dar a menor bola. Não tinha importância, ele preferia as feias.

Semana passada, Cosme entrou na fila da Caixa para a retirada do fundo de garantia. Cinco horas na fila com pessoas cujos nomes começavam pela letra C. Ousou perguntar apenas os nomes dos mais próximos: Cacilda, Carlos, Cleonice, Camila, Clodoaldo. Adorava quando perguntavam pelo seu: Cosme.

Foi capaz de inventar nomes para outras pessoas da fila: Constância, para uma mulher que não mudava de expressão; Calêndula, para uma moça muito calada; Custódio, para um homem de olhar sofrido; Clara, para uma jovem de olhos límpidos.

As pessoas comentavam o que fariam com o dinheiro: Cláudio guardaria na poupança; Clodoaldo compraria um apartamento, Custódio pagaria as dívidas; Cacilda ajudaria a mãe que perdera quase tudo na enchente; Camila trocaria de carro; Cleonice ainda não decidira o que fazer com o dinheiro.

Cosme comprou uma luneta.

In: jornal A Notícia, Anexo, p. 03 (26/01/2009)

2 comentários:

Adri.n disse...

lindo!!!

encantada...

merry disse...

Lindo 2!!! rsrs
Abraços