terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Poema de natal

No jardim
flores vermelhas anunciam
aos quatro ventos
nasceu o deus-menino

No coração
um poema desabrocha
(pequeno invento)
jasmim para jesus

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

diáfano
o
f
separa
o
dia
do
ano

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Lagoa do Peri

em estado de graça

a garça ri

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Poema para meu avô

meu avô, não conheci
a casa ainda existe

meu avô tinha livros -
comerciante e erudito

os filhos de meu avô
tomaram outro rumo

o meu avô (ausente)
nos deixou de presente:

cestos
que trançou com as mãos

e textos
os lusíadas de camões

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Caminho com meus dois braços e sem nenhum abraço, onde ainda sobra espaço, com meu passo e sem compasso definido. Com minha vontade de chegar ou partir, de entrar ou sair, de prender ou soltar, movimento-me. O corpo-asa voa. Nunca sei direito se meus braços estão prontos para o vôo, mas vôo assim mesmo. Vou para os desfiladeiros, para os limites, para as confluências. Muitas vezes volto com minhas asas alquebradas. Sei por onde estive pelo rasto de tinta que ficou na estrada. Isso tudo são detalhes. A boca é que mede o gosto da cereja. Há que se romper limites. Assim tece-se um destino, apesar do desatino. Ávida vida. Asas escrevendo o improvável destino. Um vôo indefinido, uma ruptura, uma asa a desdobrar-se sobre o papel branco, escrever é voar, aceitar aquela palavra que saiu da nossa boca por engano, ou sem plano algum de vôo. Escrever é dizer: o texto está pronto. Mesmo que lá dentro arranhe a vontade de construí-lo eternamente, de meter-lhe um martelo e quebrar os limites do céu. Chover-lhe meteoros.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Uma ave pousa na ponta do banco, uma ave sob a árvore, sobra da rotina do azul do dia, uma águia que se bica, enquanto caminho em direção ao beco (sem saída). A saia da mulher se dobra quando ela senta, a asa da ave se abre, se desdobra num vôo-árvore, pousa uma flor no galho retorcido, a mulher retorce o jornal não lido, descansa da lide, na capa do jornal o descaso, no céu o sol ocaso, no ar calor, agora o banco vazio e largo, sem ave, sem mulher, sem dor, sem cor, sem se dar conta da tristeza do banco um menino apóia o pé para amarrar o cadarço do tênis, não vê a ave, nem ouve o canto, olha para os pés do banco apoiados no barro, nenhum espanto, não vê a formiga que passa, mas ouve um berro formidável do outro lado da praça, o chamado de um amigo, se vai, talvez não volte mais, um pedaço de praça foi o que sobrou, foi o que se permitiu sobrar quando os sobrados deram lugar aos edifícios e os carros se multiplicaram geometricamente, estratosfericamente. Sobe no céu a lua redonda, um refletor sobre o banco solitário, brilhante, belo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Espelho

Capinar
Arrancar todas as ervas daninhas
Mesmo aquela de flor bonita?
Todas
Tolas
Bonita flor aquela a esmo
Danadinhas aves de asas brancas
Rapinas

quarta-feira, 31 de outubro de 2007


O dia inteiro com um tatu na cabeça e a idéia de um poema.

Um poema que contivesse tatu e catutos.

O dia inteiro tentando desentocar um poema da toca.

Um poema que não veio.

Um poema que não vem.

Um poema intocado.

domingo, 28 de outubro de 2007

Receita de divã:
use a palavra

faça um poema
(arma para desabafar)

no canto do olho
sem rima
nem rumo
um verso se improvisa
(arma líquida no papel da vida)

sábado, 27 de outubro de 2007

Meme da página 161

Quem me convidou:

Felipe Lenhart 1Crônicapordia
Marcia Cardeal Sementeiradequimeras

em que consiste:

1ª) Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure);

2ª) Abrir na página 161;

3ª) Procurar a 5ª frase completa;

4ª) Postar essa frase em seu blog;

5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;

6ª) Repassar para outros 5 blogs.

eis o livro: Catatau, do Leminski

eis a frase: "O gengisgonço é metódico, método sendo a manobra mais farisaica de escrever torto por ficções jurídicas".

mudo o jogo, convido não blogueiros e posto no meu blog:

Inês Mafra (escritora)

Olsen Jr. (escritor)

Cláudia Lira (artista plástica)

Julio de Queiroz (escritor)

Lúcia Schulte (filósofa)

* * * * * *

Olsen Jr. escreveu:

Olá, Suzana, salve!

Bom que você deu o ar da graça... interessante a brincadeira "Meme da página 161"... vai a minha:

"Da obra: "História da Literatura Hispano-Americana", de Bella Jozef".

"...O romancista da Revolução Mexicana (1910-1916), contra Porfírio Dias, foi Mariano Azuela (1873-1952). Seu romance "Los de Abajo", publicado em 1916 em folhetins no Texas, num jornal editado por emigrados mexicanos, passou inadvertido ate 1925, quando passou a atrair a atenção"...

O teu Blog está afetuoso como os teus textos, dá vontade de se aninhar ali e ficar...

Carinhos do poeta.

* * * * *

Inês Mafra escreveu:

Uau, a fuga dos pássaros, arrancou aplausos de dentro de mim.
Conto e devaneio faz pensar e brincar pensando...
O quintal amanheceu mais lindo.
Enchí-me de orvalho e sol.
Axé.
Inté.
Inês.

Qto ao primeiro livro aberto, foi "Meditação taoísta", cujas páginas só vão até 129, uai...
Então, abri o segundo:
Liev Tostói, O diabo e outras histórias.
Na pg. 161, li

"De fato, se Ievguiêni era um doente mental, então todas as pessoas são igualmente doentes mentais, e mais ainda aquelas que enxergam nos outros os sintomas de loucura que não enxergam em si mesmas."

(O diabo)

* * * * *

Lúcia escreveu:

Querida Suzana:

grata pelo convite. Uma ressalva: sou apenas uma (ex) professora de Filosofia !O livro ao lado do computador era um do Inácio sobre Ações; por isso corri prá pegar no sofá o que estou lendo...Autor: Olsen Jr.Título: "Estranhos no Paraíso"Página 161, quinta linha:

"Entrou pela galeria observando com interesse fingido cada uma das vitrines; à exceção da primeira, a das bijuterias importadas, as outras não he exerciam qualquer poder; ..."

Beijos, Lúcia.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

ele

leva

ela

ele

ave

ela

eva
navegando rio acima

o barqueiro rema

o poeta rima

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Conto e devaneio

Conto ou não conto,
conto tudo ou só um pouco,
com encanto ou desencanto?

Qual o melhor conto?
O preciso e precioso.

Qual a receita?
Nunca contar o mais importante.
Não contar ou esconder?

Ler, ler, ler para escrever.
Ler algo muito bom nos deixa com vontade de escrever.
Ler algo muito bom nos deixa sem vontade de escrever.

Eis a questão: ser ou não ser (contista).

sábado, 20 de outubro de 2007

A fuga dos pássaros

gaivotas voando na noite
ou
lenços brancos despencando no mar

tão névoa, tão bruma
tão noiva
vestida de gaivota na pedra do mar
(altar)

não fui eu, não fui
grita o pássaro na noite
de uma garganta

as ondas bramiam na renda do vestido
salpicado de estrelas

pisavas descalça sobre o mar
levando o buquê de pássaros na mão

Antes, na festa

alguém gritou
jogue o buquê
jogue o buquê

foste ao quintal
(jogado o buquê de pássaros)

o menino, dono do viveiro, chorou

disseram em consolo:
não precisa mais limpar o viveiro
não precisa mais comprar alpiste
nem caruru, nem folhas de alface

quem iria desconfiar da noiva?

servia docemente o licor de figo
dentro da mais pura camélia branca

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

na praia
dois chinelos esquecidos
como se fossem pegadas
outubro
tinindo
a cigarra
aprimora
o timbre

terça-feira, 16 de outubro de 2007


ócio
lapso
por um fio de lápis
riacho


segunda-feira, 15 de outubro de 2007

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

discrição




em todos os cantos
um grilo escondido

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Bicicletas

Foi por acaso que as encontrei numa rua do centro, quando voltava para casa. Pergunto à menina:
– Alguma novidade?
Ela não responde, dá dois pulinhos e agarra a mão de sua mãe. Em seguida, cochicha no meu ouvido:
– Meu pai tirou as rodinhas da bicicleta.
– Como?
– Meu pai tirou as rodinhas da bicicleta.
Essa devia ser a novidade. A menina aprendera a andar de bicicleta sem aquelas duas rodinhas laterais.
– És muito corajosa, parabéns!
A pequena sorri satisfeita. A mãe estava com pressa. Despedimo-nos.
Volto no tempo. Tínhamos várias bicicletas: nenhuma bonita, nenhuma da moda, nenhuma com marcha. As minhas amiguinhas tinham bicicletas com cestinha. Eu não tinha a “minha” bicicleta. Tínhamos bicicletas na família. E ponto.
Aprendi a andar de bicicleta no terreiro de casa, alguém segurava na parte de trás do veículo e prometia não soltar de modo algum enquanto o aprendiz pedalasse sem olhar pra trás. De repente, já não havia ninguém segurando a bicicleta, então, das duas uma, ou você caía ou aprendia. Após algumas quedas, aprendi. Ainda não haviam inventado as tais rodinhas.
Não era importante ter uma bicicleta de cestinha, logo cresceria e aprenderia a dirigir. Teria uma moto igual à do meu irmão adulto. Trabalharia e seria livre. Viajaria pelas ruas empoeiradas do interior. Eu e minha calça desbotada, eu e minha turma.As colegas da rua me adoravam. Só havia um problema: não gostava de brincar de casinha. Adorava planejar a casinha e inventar as personagens que ali viveriam, mas na hora de fazer comidinha, lavar pratinhos, ah, achava tudo tão bobinho, então, elas se chateavam comigo. Numa dessas chateações, convidei minha amiguinha pra dar uma volta de bicicleta, na tentativa de fazer as pazes. Pedalávamos na rua empoeirada, lado a lado:
– Quer andar na minha Ceci? (era assim que se chamava a bicicleta.)
– Não, prefiro andar na minha, disse.
– Essa daí? Pensei que fosse da tua irmã.
– É de todos lá de casa, somos socialistas (inventei na hora).
– Parece bicicleta de homem, provocou.
– Não é não. A de homem tem ferro, essa aqui não, só é antiga e meio desbotada! (Não pise nos meus calos, pensei, mudando de assunto.)
– Vamos subir o morro?
Um morro alto e cheio de curvas, quase um desfiladeiro. Ela concordou, não queria ficar por baixo. Subimos ofegantes, empurrando nossas bicicletas. Desci na velocidade da luz. Quase na metade do morro e antes da curva, olho pra trás: lá vinha ela descendo a pé, carregando sua Ceci. Não teve coragem. Continuei meu vôo. Parei na frente de casa com uma freada sonora, escrevendo um semicírculo no chão. Sentei no muro e esperei. Ela não parou para falar comigo. Ficamos “de mal” uns dois dias. E “de bem”, até brincar de casinha.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

flor



flores no jardim
mergulho
sem fechar o nariz

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Liberdade

E se um dia algum leitor reclamar do meu texto? Quem sabe ele me ache uma boba, uma dessas mulheres sonhadoras, daquelas que escrevem sobre amor quando poderiam estar tratando de assuntos importantes. Se isso acontecesse, pediria ao meu interlocutor que fosse mais específico e indicasse um assunto sobre o qual pudesse escrever e, quem sabe assim, agradá-lo. Mas diria a ele que não esperasse de mim uma escrita diferente daquela que sei fazer, porque quando se tenta escrever como os outros escrevem fica uma coisa meio chata de se ler. Percebe-se logo uma escrita forçada, ou sem alma, ou sem vontade, ou sem inspiração.

O diacho da crônica é que não dá para deixar lá no canto, ou na gaveta, por dias e meses para depois verificar se aquilo que escrevemos tem valor. A crônica é a escrita instantânea, com prazo certo (o do jornal). Não, não tenho do que reclamar. Tenho (sinto) admiração pelos escritores que escreveram antes de mim em máquinas manuais, sem a ferramenta do computador ou da internet (há muitos anos recortei uma crônica do Salim Miguel daqui deste caderno e a guardo com imenso carinho). Quanto mais escrevo, mais admiro os que me antecederam.

Por isso, caro leitor, tenha paciência. Daqui mais um tempo, quem sabe, eu chego lá, naquele lugar que nem sei onde fica, mas que presumo, exista. Daí sim, vou poder falar do canto do sabiá, das flores dos manacás, do céu azul todo anil, dos pássaros voando em mil. Tenha paciência. Assim também farei eu, deste lado do papel (ou da tela), serei paciente. Não pense que não existe uma angústia latente só porque a crônica é de vida curta, apenas um dia e lá se foi o momento do texto. Sim, existe a angústia de agradar, de fazer melhor, de fazer sorrir, de fazer chorar, enfim, a tentativa de compartilhar.

E, além de paciência, tenha compreensão por este (ou esta) que vos escreve com a melhor das intenções e nem sempre acerta. Este que sente, que é real ou implícito, que se diverte na hora de compor o texto, mas também chora. Este que se preocupa com os leitores, com as medidas, com as palavras ditas, para que os do outro lado, do outro mundo, sintam-se melhores, tocados, ou não. Algum poder por trás do texto há de tocar alguém um dia. Então haverá sol sobre o jornal aberto no banco do jardim, além do perfume de manacás.

Toda essa distância que existe entre nós desaparece se, por um átimo de segundo, você (leitor) retoma o texto para si. Se isso acontece, e ainda acontece, é porque existem leitores e jornais e escritores. A essa distância eu chamo liberdade, minha e sua. E liberdade não tem preço, caro leitor, é o bem supremo. Por isso o prazer do texto e da leitura, para nos libertarmos. Daí a importância de fugir de modelos prontos que já tiveram seu auge. Ou de escrever para um leitor hipotético imaginário

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Da arte de sentir o mar

Da primeira vez que viu o mar abriu os braços. Menina pequena e frágil. Ele era maior que tudo. Até do que os arranha-céus. Mais alto. Quase sentiu medo. Que força é esta à minha frente? Por que o mar não escapole pelos lados se tanta altura e líquido? Aos poucos foi se acostumando com o barulho-encanto. Brincou na areia extensa com um graveto: desenhos para Deus. Nem chegou a molhar os pés na água, estava de conga branca e nova. Foi por acaso que viu o mar pela primeira vez. Brincava na casa de uma coleguinha mais rica. Os pais dela convidaram: vamos dar uma volta na praia? Foram e levaram a amiguinha da filha junto. Um marulho em tons azuláceos inundou os sentidos da pequena para sempre.
Da outra vez foram de ônibus. Ficariam na casa de uma vizinha. As crianças tontearam durante a viagem. Uma vomitou na mulher com jeito de bruxa que se ofereceu para levá-la ao colo. As unhas vermelhas e compridas da mulher apertando sua frágil barriguinha. Nunca antes aceitara o colo de uma estranha. Algumas perguntas necessárias: por que a vizinha comprou uma casa tão longe da praia se há tantas mais perto? Por que enfileiram prédios um ao lado do outro para esconder o mar? O primeiro banho foi nas canelas. Deitar o corpinho na praia e sentir a areia tocar a pele pela primeira vez. Tantas coisas pela primeira vez.
Eis que um dia, finalmente, alguém da família aluga uma casa na praia. Numa outra praia, ainda sem prédios. Num dia de muito sol subiram numa encosta para melhor avistar o mar. Dois dos maiores desceram próximos da arrebentação e sentaram numa das pedras. Ficaram algum tempo em desafio. Depois subiram, indo se juntar aos outros. Por questão de segundos não acontece uma desgraça: uma onda imensa varreu a pedra de antes. Um susto. Brotaram perguntas em vez primeira: o que existe antes e depois de mim, o que fui, o que serei? Ninguém soube responder. As ondas iam e vinham.
Tão fácil nadar, é só bater braços e pernas. Difícil foi perder o medo e soltar o corpo. O medo é pesado, afunda. Vamos ver quem chega primeiro nadando em tal lugar? Quando cansavam, boiavam, riam, olhavam o céu, contavam nuvens. Até as barrigas roncarem ou alguém gritar da praia seus nomes. Havia apenas um chuveiro e muitos para o banho. Corriam, pois quem chegasse antes... Tão divertido viver.
O mergulho: no litoral do Nordeste, aluga o equipamento (snorkel, máscara e nadadeiras). No início, é preciso se acostumar ao respiro pela boca. Aos poucos, o corpo se adapta ao ritmo marinho. Existe a possibilidade de nadar com famílias de peixinhos coloridos, ver cavalos-marinhos, e, dentro e fora de tudo, ouvir um som ou silêncio parecido com aquele primeiro da infância, do primeiro sentir o mar, ou seria do primeiro sentir no feto? Pensava nisso quando se viu deslizando por sobre uma raia imensa. Surpresa e júbilo.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Solução do enigma (crônica)

Nem as montanhas conseguem segurar aquele que vem do sul. Nas ruas, ouvimos um “oi” diferente: “que frio!”. Mãos geladas. Compensaria ir às lojas procurar por luvas de lã? Vontade de tomar chocolate quente, sentar ao sol, ler um poema ou fazer tricô. Tricotar esquenta as mãos. Toca o telefone:
– Descobri o autor do poema – grita do outro lado da linha uma amiga que gosta de poesia. Há anos não nos víamos. Pergunto interessada:
– De qual poema?
– Daquele que pedi para você pesquisar aí na biblioteca. Lembra?
– Sim, lembro que procurei em todas as coletâneas de autores ingleses. Faz tanto tempo. Na época nem tínhamos internet. Saudade daquele poema.
– Então, escute:

Aedh wishes for the Cloths of Heaven
Had I the heavens’ embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.

– Ah, quero ouvi-lo em português! (o meu inglês ficou na Era do gelo, já o da minha amiga, parece que melhorou.)
– Tudo bem:


Se eu tivesse os trajes bordados do céu,
Adornados com luz dourada e prateada,
E os trajes escuros, sombrios e azuis
Da noite, à luz e à meia-luz,
Eu estenderia estes trajes sob seus pés:
Mas eu, sendo pobre, tenho só os meus sonhos;
Então estendo os meus sonhos sob seus pés,
Com suavidade porque você caminha neles.

– Belo! Tal é citado no filme Nunca te vi... Sempre te amei.
– Comprei o livro num Sebo. Não traz o poema.
– Não traz, eu sei. O meu foi comprado num Sebo também. Que bom que nem todos gostam das mesmas coisas.
– Ou de armazenar.
Rimos.
– Então, de quem é o poema? – pergunto curiosa.
– Digitei no google o primeiro verso entre aspas. O provedor listou três sites: os dois primeiros citavam o poema sem mencionar a autoria, infelizmente. Eram de blogs.
– E no outro?
- Pois é, cliquei no item restante meio sem esperança. Meu coração já batia descompassado...
– Compreensível, tanto tempo de procura (um enigma), claro que com intervalos de não-procura.
– Sim. Esse foi o meu problema...
– Quem o escreveu, afinal?
– O poeta William Butler Yeats.
– O irlandês que foi senador?
– Sim, esse mesmo. Prêmio Nobel de Literatura de 1923.
– Ele é bonito – deixo escapar.
– Sim, além de tudo, bonito. Pena que não me chamo Maud Gonne.
Rimos.
– Qual a sensação da descoberta?
– Apaixonada! Fiz matrícula num curso de inglês.

Matriculou-se num curso de inglês para ler Yeats no original. Outra amiga estuda as tábuas sumerianas para agradar o namorado que é arqueólogo. Antes que a necessidade de impressionar alguém apareça, decidi retomar meu curso de inglês. Mas em agosto, bem entendido. Em julho eu quero fazer tricô.

Publicada no Caderno Anexo (Jornal A Notícia - 04/06/2007)

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Dia de nada

Hoje não é dia de nada. Como assim? Explico: a minha agenda apresenta todo início de mês uma lista das datas comemorativas. Já são tantas, que poucos dias do nosso calendário escapam a elas. Por exemplo, neste mês de maio, dentre outras, tivemos o Dia das Mães (sempre no segundo domingo do mês) e o dia do silêncio. Eu particularmente me afeiçoei a este último, só não entendi direito como comemorar, ou seja, sei muito bem como fazer silêncio, mas não entendi o que pretendiam os que o inventaram (ou instituíram). Sim, devemos pensar um pouco em vez de aceitar tudo tacitamente. Já que hoje não é dia de nada, talvez nos sobre tempo para isso: pensar em silêncio.

Já que hoje não é dia de nada, que tal inventarmos alguma coisa? Não, por favor, nada de comemorações efusivas, nada de corre-corre às lojas, invente uma data pessoal, uma data que envolva apenas você e as pessoas de seu convívio. Por exemplo: hoje é dia de comer apenas frutas, ou apenas verduras, ou dia de observar pássaros, ou de plantar flores, ou de visitar sebos, ou de não fazer nada além do necessário.

Outra idéia é desmarcar os compromissos. Como assim, cancelar? Sim, todos. Mas hoje é segunda-feira. Sim, eu sei. Cada um sabe de si. Refiro-me aqueles compromissos anotados em nosso pensamento. Compromissos que podem ser adiados sem afetar os outros, como o de assistir uma novela ou ao jornal na TV.

Saber que hoje não é dia de nada me deixa feliz. Ninguém vai me cobrar por ter esquecido de cumprimentar alguém. Também não serei convidada a nenhum jantar em prol de certas categorias que costumam acontecer nestas datas. E, o mais importante, um dia que ninguém ainda nomeou como sendo disto ou daquilo, chega com mais frescor. Se alguém perguntar ao leitor que dia é hoje, diga que é dia de muitas possibilidades, um dos que sobrou de nosso calendário abarrotado de comemorações, inclusive, em maio tivemos o dia do café, que não foi comemorado sozinho, dividiu espaço com o dia do vestibulando e o dia do datilógrafo (pausa para um café).

Após o café, voltamos revigorados. Que ninguém venha nos dizer que existe um santo para todos os dias ou um dia para todos os santos, não queremos saber, queremos apenas ser o que somos dentro deste espaço de tempo sagrado entre duas noites. E que este dia não passe rápido como os feriados, nem lento como os dias chatos. Que haja alegria no ar, sorriso nas faces, esperança, cordialidade, leveza... Eu sei que o Brasil (por que fui me lembrar disso?) está atolado de problemas e nós de impostos. E que nada parece ter solução. Se assim fosse, eu diria: o que não tem remédio, remediado está. Mas tem remédio, sim. E o remédio somos nós. Precisamos ler não apenas para nos informar, mas para pensar (e agir!). As vozes dos outros serão distinguidas pelo nosso pensamento laborioso e silencioso: acorde.

Publicada no Caderno Anexo (Jornal A Notícia - 28/05/2007)

terça-feira, 15 de maio de 2007

Apelo

Deixem tudo como está
cada árvore no seu lugar
não mexam, por favor,
neste buquê de abelhas
nem derrubem a casa velha

Deixem-me onde estou
com meu silêncio benfazejo,
please,
não me solicitem o sol

Tanto tento ficar invisível
um sopro esvoaçante para longe
de tudo que me concretiza os olhos

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Casa e cozinha (Crônica)

Até a mais modesta habitação,
vista intimamente, é bela.
Bachelard


Quem arduamente juntou seu dinheirinho e comprou uma casinha sabe o valor que ela tem. Assim também aquele que comprou os móveis para sua cozinha, sabe o valor que eles têm. Cada um tem seu jeitinho de arrumar a casa. Fato é que às vezes temos jeito e não temos dinheiro. Quem não quer uma casa jeitosinha para morar e namorar?

Alguns moram em casa com telhado de ponta, outros em prédios quadrados, porém quando se está dentro, o formato é sempre o mesmo: de ninho (feito os passarinhos).

Cada um arruma o ninho do seu jeito. Uns arrumam logo cedo, antes de sair para o trabalho; outros deixam tudo como está, na hora de ir e de voltar; há os que mudam tudo de lugar, para a energia melhorar; e há também aqueles sem tempo nem de pensar, quanto mais de organizar (ou, nem tanto ao céu, nem tanto ao mar).

Alguns moram em lugares pequenos, porém pintados de azul-capricho com uma flor desenhada na porta; dormem apertados num mesmo quarto, não sentem frio, nem distanciamento dos seres (sabem que o mundo está aí para ser compartilhado). Outros nascem em quarto enorme só para si. Como preencher tanto espaço vazio? Será que o vazio de fora é igual ao vazio de dentro? (Vazio veludo ou velado?).

Meninos de sorte nascem perto de bosques, onde há bicicletas, estilingues e bolas. Meninas, onde há bonecas, árvores e rodas. Bom é quando meninos e meninas compartilham os brinquedos.Quem tem sorte nasce perto dos avós em casa com varanda e perfume de rosas. Se tiver mais sorte, onde há vacas leiteiras olhando quando você passa rente ao rio de águas cristalinas. Um Pasto para jogar bola com os sonhos ainda frescos e possíveis (quem não gostaria?), inclusive de ser um Pelé ou Garrincha.

Uma casa de sorte fica próxima de flores e pássaros, de velhos e crianças, de doces em forno a lenha, de mulheres rendeiras, das bananeiras (bashôs) na beira do rio, ou das goiabas, araçás e ameixas (ame-as ou deixe-as / Leminski).

Na cozinha da casa, há quem areie as panelas até luzirem feito espelho e quem cozinhe com amor e esmero; outros são tão práticos que utilizam apenas uma panela ou tacho. Café solúvel ou cheiroso de deixar os vizinhos com água na boca? O jeitinho que cada um tem de fazer as coisas, começar o dia, lavar o rosto, abrir a janela, espiar um passarinho cantando, aspirar o perfume de um jasmim, ou, observar o pé de camélia florir.

Aqui do terceiro andar o que vejo são lembranças. A novidade é uma cozinha usada que ganhei. Fico imaginado as festas, as comidas deliciosas, os momentos felizes, as conversas... Sim, uma cozinha é como um livro, tem uma história para nos contar. Nenhuma cozinha nova faria minha casa mais feliz. Estamos todos felizes: os passarinhos cantam, os pratos dançam com as xícaras e a vassoura varre sozinha.

Crônica publicada no Caderno Anexo (Jornal A Notícia - 14/05/2007)

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Convite

Estarei autografando o

Borboletras: poemas curtos que voam

na Feira de Rua do Livro de Florianópolis
dia 08 de maio, das 19 às 20 horas
Largo da Alfândega - Florianópolis - SC

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Riscado

Criei
um
blog
e me sinto uma imbecil

a impressão
(não impressa em papel)
de que ninguém me lê

aquele blog na prateleira
dos esquecidos

uma amiga, compadecida:
visite outros blogs e deixe um recado

deixei riscado:
o meu tempo se esgotou

segunda-feira, 16 de abril de 2007

A carta e o livro (crônica)

Alguém se lembra da primeira carta que recebeu? Houve um tempo em que aguardava ansiosa a chegada do carteiro. Ah, aquelas cartas escritas a mão, de amigos enviando poemas, parentes mandando notícias, ou as cartas de amor (quem nunca beijou uma carta, enviada ou recebida?). Alguns minutos para olhar o exterior do envelope, os selos, a letra, os carimbos. Carta do outro lado do mundo e a quase inveja daquela que viajara mais que eu. Depois me ensinaram a escrever no envelope “via aérea”, diziam que chegava mais rápido. Preferia que minha carta viajasse de navio e espiasse o azul do mar, isso sim.

E do telegrama, alguém se lembra? As palavras reduzidíssimas, pois custava caro. Recebi poucos. Telegramas me faziam tremer. Havia um receio de não os compreender por causa das abreviações e omissões, ou de que enunciassem notícias ruins. Uma professora tentava me ensinar a escrever telegramas, foi quando compramos o telefone: “Alô, como vai? Eu vou indo e você, tudo bem?”.

Agora as cartas são enviadas instantaneamente pelo computador por meio da internet. Se não responder logo, não dá para dizer que foi culpa do navio, da guerra, do avião que caiu ou da ineficiência dos correios. Mesmo assim, as desculpas persistem: “Desculpe, estava sem provedor; meu computador estava quebrado; minha caixa-postal está com problemas”. As mentiras são as mesmas, só trocam de roupagem. Talvez o que tenha mudado é o hábito de escrever e a própria linguagem, agora rápida e eficiente.

Discussão antiga é a do desaparecimento do livro. Dizem que esse livro de papel com folhas costuradas, capa e lombada está com os dias contados. Tudo indica que sim. No entanto, assim como as cartas escritas a mão nos acompanham até hoje, creio, com o livro ocorrerá o mesmo. Será uma mudança gradativa. E eu não vou ficar de fora do novo que chega. Resta saber como serão pagos os direitos autorais.

Não sei se o meu próximo livro será de papel. Vontade eu tenho é de publicar um de seda, feito os chineses de antigamente. Chique, não? Antes da seda, a China utilizava a madeira para registrar o conhecimento, até que um imperador resolveu destruir todos os livros. O seu sucessor tentou recuperá-los, mas não havia madeira em quantidade suficiente, foi então que passaram a utilizar a seda e, bem mais tarde, inventaram o papel.

Gosto de ter o livro em mãos, levar alguns na mala quando viajo, ler na praia. Na última ida ao litoral, impressionou-me a quantidade de pessoas lendo. Os livros também deixam a praia bonita: areia, mar, ondas, pessoas, conchas e livros. Livro também serve para se guardar coisinhas. Na prosa de Guimarães Rosa encontramos estes versos: “Entre as folhas/de um livro de reza/um amor-perfeito cai”.

Talvez um dia eu me lembre disso como algo do meu tempo. Explicaremos às novas gerações como tudo funcionava. Mas será que eles terão tempo para nos ouvir?

In: Caderno Anexo (Jornal A Notícia - 16/04/2007)

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Quintal (Crônica)

Cadê o menino? Está brincando no quintal. Joga bola contra o muro. E a filha? Também no quintal, pendurando roupas no varal. Vovó? Bordando. Letícia? Lendo.
Quintal é lugar de avencas, tanque de pedra, sombra, parreira de uvas, pé de goiaba. Quintal é lugar de muitas coisas; é aquele espaço entre a casa e a rua, nos fundos, entre os muros. Também é um lugar onde se faz e se não faz, se pensa e se repensa, se olha para nuvens, se alcança uma estrela, se brinca, cresce, se espelha. Espaço para correr, pular, descobrir, guardar bicicletas ou coisas sem serventia, soltar o pensamento feito pipa, na divagação e no vento, respirar lento. O quintal é um espaço privado, diferentemente da rua, porém não é fechado, feito a casa. Saboroso, porque alimenta com frutas e horta; colorido, porque a céu aberto; perfumado, porque floresce e enverdece. Todo quintal tem som e ritmo próprio, de acordo com os que o habitam. As pessoas, a rua, a casa, as árvores, as folhas, o vento, a chuva, o cheiro, os pardais, tudo isso tempera um quintal.
Quintal é lugar de conversa, fofoca, namoro, legumes, plantas, lazer, música, comida. Para deitar na rede, esmorecer, cultivar laranjas e limões, lavar roupas, pisar na grama, olhar formigas, jogar o tempo fora. Apropriado para as tralhas que não cabem na casa, para o pessegueiro florir, para de repente receber a visita de beija-flores, para um canteiro de flores, para momentos de amores. Para semear temperos. E se ao jogar semente fora, nascer um pé de planta corredeira, deixe-a crescer e tomar forma, a dádiva da natureza, sem muita demora, de uma simples flor amarela, nascerá uma abóbora. Ensina o dicionário que a palavra “quintal” quer dizer pequena quinta, ou terreno, geralmente com jardim ou horta, atrás de casa.
Se houver um banco sob o pé de goiaba, ou sob a parreira de uva, ou ainda, sob uma buganvília florida, será lá, que no meio da tarde de um dia comum ou de fim de semana se observa um por de sol, aspira o perfume do jasmim, o cheiro das roupas limpas no varal, a leitura de um livro ou jornal, um papo com o vizinho, limonada entre amigos ou, quem sabe, o almoço de domingo.
Em Brusque, o mais novo e delicioso espaço é o restaurante Quintal. Fica na Rua Azambuja. Lá você saboreia arte e almoço natural, podendo visitar a horta, de onde são colhidos os produtos utilizados no preparo das refeições. Tudo orgânico, dentro das normas da saúde plena e do sabor autêntico, com direito a música seletiva e um bom papo sobre alimentação com os proprietários. Espaço para exposições de arte, lançamento de livros, performances... A exposição atual apresenta algumas das primorosas ilustrações para livros infantis da artista Márcia Cardeal (do livro Pomar de Palavras / Alcides Buss, Casa Amorosa / Inês Mafra, dentre outros)... Enfim, um lugar que alimenta corpo e alma.
In: Caderno Anexo (Jornal a Notícia - 09/04/2007)

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Lembranças (crônica)

Pai,

Insônia. A Páscoa chegando e a tua lembrança.

Eu te pediria desculpas pela minha preguiça em rezar ou acompanhar a procissão, minha cara feia ao teu lado durante a missa, meus passos automáticos, vacilantes. A pipoca como se fosse pouca, a água da gruta como se não fosse fresca e os deuses como se fossem ocos. Eu te pediria desculpas. E te pediria: fique para mais uma Páscoa, apenas uma. Eu na minha bicicleta, tentando pedalar no teu ritmo, observava o teu silêncio e o teu esforço em chegar, cumprir o ritual de domingo.

Eu te pediria tempo. Faria tudo do começo e novo. Prepararia a terra para o amendoim. Escolheria as melhores sementes. Saberia o tempo de colher, depois lavar, deixar secar ao sol. Desprendê-los, descascá-los. Faria tudo isso sorrindo de contentamento. Como nunca o fizera. Não me importaria com o sol ou com a chuva, nem com a roupa suja e as unhas estragadas. O suor na cara e a lide não me assustariam, ao contrário, seriam o tempero da vida.

Depositaria na quarta (caixa de madeira) o amendoim que seria debulhado para fazer as amêndoas. Ajudaria a guardar as casquinhas de ovos ao longo do ano com o máximo de cuidado, para depois pintá-las ou decorá-las com papel de seda ou crepom. Inventaria coisas novas: coelhos, galinhas, ratinhos e cartuchos para uma Páscoa feliz. Seria a primeira a querer aprender o ponto do açúcar, o momento exato de retirar do fogo o amendoim transformado em amêndoa e aprenderia todos os tipos, a de cobertura branca, chocolate, ou moída.

E não me importaria de acompanhá-lo na procissão ou no lava-pés. Seguiria à frente da multidão com uma vela acesa. Terias orgulho de mim. Não perderia o meu olhar no infinito, na nuvem, ou nos pardais. Prenderia meu olhar no Cristo à frente, no padre vestido de roupas bordadas e no ritmo de teus passos, pois para cada um teu, precisaria de dois meus. Tudo isso eu saberia. E não me cansaria.

Também não esmoreceria diante da quantidade de afazeres. Não reclamaria dos calos nas mãos, nem por deixar a brincadeira para depois. Seguiria na frente em busca de cebolinha vermelha para tingir os ovos de Sexta-feira Santa que seriam cozidos. Pai, você não imagina, hoje não se encontram ovos, nem galinhas, as casas são quadradas, as cozinhas diminuíram e não se usa chapéu, nem sombrinha, apesar do sol!

Tudo foi perdendo a graça. Compra-se pronto no supermercado. Lembra, pai, daquela Páscoa que não encontrei minha cesta? Então tu, comovido diante de minha tristeza (era a única a não encontrá-la), me pediste para buscar banana nos fundos da casa, e eu fui. E lá, entre os cachos de banana, encontrei uma cesta repleta de ovos. Sequei as lágrimas do rosto e fui almoçar (após a oração, claro). Estavam todos à mesa, felizes? Sim, completamente, algo que não existe mais, que não se repete.

In: Caderno Anexo (Jornal A Notícia, 02/04/2007)

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Borboletras (agenda)

na terça (03/04), às 16:30 horas, estarei autografando o Borboletras na Feira do Livro de Joinville, no stand da Ed. da UFSC. Se tudo der certo, ficarei para a Palestra com o Arnaldo Antunes.

na quarta (04/04), a sessão de autógrafos é no Espaço Quintal. Um evento coletivo com as belas ilustrações de Marcia Cardeal e Luciano Mafra. Apresentação da performance "Casulo" da Cia Teatral Eu, tu, Elas. Tudo isso no Quintal, a partir das 20:30 horas. Imperdível!

quinta-feira, 29 de março de 2007

Viajar para escrever (opinião)

Se a Companhia das Letras me convidar para viajar e escrever, ou, escrever e viajar, eu topo.
Aliás, entre os 16 felizardos, constam apenas três escritoras (13 são homens).
Se quiserem me convidar para equilibrar o time, consultarei minha agenda.
Para onde? Montevidéu.
Um mês em busca do amor nas ruas de Montevidéu.
Que tal outra Editora formar outro time de escritores?
Quem sabe buscar outra coisa: a si mesmo, por exemplo.

Onírica

a avenida extensa e submersa
no frenesi dos carros coloridos
ensurdeceu

não ouve mais
buzinas
motores
freadas bruscas

adormecida - à noite -, ouve
um grilo no jardim do sonho

acorda comovida

Farra-do-boi (crônica)

Estava quieto no meu canto, como sempre faço e como sempre fizeram meus ancestrais bovinos. Do lado materno, tenho ascendência holandesa e, do paterno, ainda não sabemos. Um primo estuda a árvore genealógica da família no intuito de esclarecer nossas raízes. Por falar em raízes, estou com fome. Dirigia-me ao pasto quando me cercaram e me prenderam. “Para mais tarde”, disseram.

Meu dono não me tratou mal, nada me faltou. Os humanos pensam que não entendemos a língua deles, por isso falam coisas terríveis quando estamos perto. Fato é que nos tratam bem, para em seguida nos matar. De nossas esposas, tiram o leite. Enfim, dão pouco comparado ao que nos tiram.

Não gostei de uma conversa que ouvi. Na verdade, estou com medo. Sou um boi velho. Merecia uma aposentadoria tranqüila, ao lado de uma vaquinha. Sei que deve estar pensando que não sou um touro, sei disso; mesmo assim, adoraria uma companheira para ruminar comigo. Falam em farra-do-boi. Da primeira vez que ouvi, fiquei animado, pensei que estivessem organizando uma festinha em minha homenagem.

Uma corda me puxa. Levam-me por uma rua estreita. Qualquer bovino sabe que homenagens não acontecem em lugares assim. Pedras. Atiram em mim? Acertam meu olho direito. Ai!, que dor insuportável! Mais pedras, e gritos. Desato a correr, alcanço a praia. Com o olho que não sangra vislumbro o mar. E se entrasse ali e lavasse o olho para estancar o sangue? Com o olho são contemplo o mar: tão lindo! Lembro de papai me mostrando o mar pela primeira vez... Ai! Que foi isso agora? Enfiam uma vara de bambu no meu dorso. O que deu nesses homens, enlouqueceram?

Desato a correr, apesar da dor. Quase não enxergo, atropelo alguma coisa. Pulo a cerca de uma casa. Nunca havia feito isso, fui um boi comportado. Consigo alcançar a rua. A multidão me persegue, agora mais enraivecida do que antes. “Isso é pelo menino atropelado”, escuto alguém gritar com ódio do alto do telhado de uma casa, no momento em que me atira uma pedra gigante. Sou atingido e cambaleio; por fim, desabo.

O homem que me atirou a pedra se aproxima, exibe-se para os outros: passa uma vara no meu dorso, desenhando ranhuras de sangue. Pressinto que vou morrer. Lembrei de um atalho que leva para o penhasco rente ao mar. Com as poucas forças que ainda me restavam, levantei num ímpeto e saí cambaleante. A multidão me perseguindo. Subi aquele calvário com um único pensamento: saltar.

In: Caderno Anexo (Jornal a Notícia - 19/03/2007)

quarta-feira, 28 de março de 2007

E tudo estava aceso (crônica)

“Quem não tem o paraíso dentro

jamais o encontrará fora”

Angelus Silesius

As árvores acendiam-se de frutos vermelhos. O céu estampava-se de estrelas. O vento balançava sininhos. Quem disse que o amor só acontece na adolescência? O amor acontece quando tem de acontecer.

E tudo estava aceso: os olhos cintilavam, o coração em novo ritmo, os pássaros à janela, café fumegante. E tudo conspirava. Um dia assim merece um vestido vermelho de cintura marcada e sapatilhas delicadas. Num dia assim somos irresistíveis, não há quem não se curve ao nosso encanto. Feito um conto de fadas, por onde quer que passemos, tudo se transforma, o chão floresce pétalas de rosas, o ar se enche de pássaros e as árvores de flores e frutas vermelhas. Erguemos o braço e apanhamos uma cereja.

Não era Chapeuzinho Vermelho, nem Branca de Neve, nem Cinderela. Era ela e o mundo numa esfera acima, onde não há temores, nem rumores, nem reticências, onde reina a harmonia perfeita. Mas como chegar lá? Como ser completo sem temer? Melhor não refletir agora. Existe um outro tempo para isso. Há tempo para tudo nessa vida. Agora é tempo dos riachos, do caminhar descalça pelos bosques, de sentir a leveza dos vôos da floresta, de sentir-se pulsando, de sentir-se dentro. Ergue os braços e voa.

De cima tudo se transforma, entra-se num vácuo de perfeição. Não voamos sós, muitos nos acompanham. Tantos outros que conseguiram estar além e acima do cotidiano, da matéria, da mesmice, das preocupações inúteis. E muitas vezes o vôo, feito o das aves, toma a forma de um “V”, onde os voadores se revezam, se intercalam, sem que precisem dizer nada, e assim, num esforço menor e em pleno equilíbrio, voam suaves enquanto as penas brilham raios solares.Para estes, tanto faz subir ao infinito, ou descer a terra, pois não se contaminam, não se queimam, nada os deforma, apenas os transforma. Ficam por desprendimento, por contentamento, ou por compaixão daqueles que levam o peso de Sísifo. E há tantos destes pesos, quanto há homens.

Por isso o dia acende. Por isso o sol brilha e as estrelas sorriem. Para que olhemos, sentimos e vibremos. Não era para ser tudo tão penoso. Era para ser tudo mais vôo e cintilância.

Nos caminhos do bosque, nas florestas encantadas, em algum lugar, em algum momento, alguma coisa deixou de brilhar, alguma coisa quer ser retomada, algum sonho quer acordar, ou desejo, alguma flor à beira do caminho, um canto de passarinho, um poema, um vestido, um olhar de criança, um saquinho de pipoca após a missa, chinelos perdidos no riacho, bonecas pedindo roupinhas, mãos pedindo carinho, lua sonhando beijos.

Em algum lugar está o elo, não perdido, à espera. Não é lá fora, nos arranha-céus, nos carros novos, nem na casa maior e mais cara. Está em outro lugar. Ouve-se um riso de contentamento. Vem da terra? Vem do céu?Vem do universo dentro.

In: Caderno Anexo (Jornal A Notícia - 26/03/2007)

efeito estufa

o céu tão quente
derreteu

choveu
sorvete azul
e bolinhas
de gelo
refrescantes
para meninos colherem
nas ruas do centro
do sol
que queima sob os pés
nem tão delicados assim
na biblioteca
o bibliocanto
tão intro
metida nesse
encanto
lírico
eu lesma
persisto
Borboletras no quintal

não sei ainda a que veio a abertura deste blog. novas experiências. compartilhar.

borboletras no quintal. por causa do meu livro de poemas. o primeiro vôo solo.

quintal é um lugar gostoso.