segunda-feira, 16 de abril de 2007

A carta e o livro (crônica)

Alguém se lembra da primeira carta que recebeu? Houve um tempo em que aguardava ansiosa a chegada do carteiro. Ah, aquelas cartas escritas a mão, de amigos enviando poemas, parentes mandando notícias, ou as cartas de amor (quem nunca beijou uma carta, enviada ou recebida?). Alguns minutos para olhar o exterior do envelope, os selos, a letra, os carimbos. Carta do outro lado do mundo e a quase inveja daquela que viajara mais que eu. Depois me ensinaram a escrever no envelope “via aérea”, diziam que chegava mais rápido. Preferia que minha carta viajasse de navio e espiasse o azul do mar, isso sim.

E do telegrama, alguém se lembra? As palavras reduzidíssimas, pois custava caro. Recebi poucos. Telegramas me faziam tremer. Havia um receio de não os compreender por causa das abreviações e omissões, ou de que enunciassem notícias ruins. Uma professora tentava me ensinar a escrever telegramas, foi quando compramos o telefone: “Alô, como vai? Eu vou indo e você, tudo bem?”.

Agora as cartas são enviadas instantaneamente pelo computador por meio da internet. Se não responder logo, não dá para dizer que foi culpa do navio, da guerra, do avião que caiu ou da ineficiência dos correios. Mesmo assim, as desculpas persistem: “Desculpe, estava sem provedor; meu computador estava quebrado; minha caixa-postal está com problemas”. As mentiras são as mesmas, só trocam de roupagem. Talvez o que tenha mudado é o hábito de escrever e a própria linguagem, agora rápida e eficiente.

Discussão antiga é a do desaparecimento do livro. Dizem que esse livro de papel com folhas costuradas, capa e lombada está com os dias contados. Tudo indica que sim. No entanto, assim como as cartas escritas a mão nos acompanham até hoje, creio, com o livro ocorrerá o mesmo. Será uma mudança gradativa. E eu não vou ficar de fora do novo que chega. Resta saber como serão pagos os direitos autorais.

Não sei se o meu próximo livro será de papel. Vontade eu tenho é de publicar um de seda, feito os chineses de antigamente. Chique, não? Antes da seda, a China utilizava a madeira para registrar o conhecimento, até que um imperador resolveu destruir todos os livros. O seu sucessor tentou recuperá-los, mas não havia madeira em quantidade suficiente, foi então que passaram a utilizar a seda e, bem mais tarde, inventaram o papel.

Gosto de ter o livro em mãos, levar alguns na mala quando viajo, ler na praia. Na última ida ao litoral, impressionou-me a quantidade de pessoas lendo. Os livros também deixam a praia bonita: areia, mar, ondas, pessoas, conchas e livros. Livro também serve para se guardar coisinhas. Na prosa de Guimarães Rosa encontramos estes versos: “Entre as folhas/de um livro de reza/um amor-perfeito cai”.

Talvez um dia eu me lembre disso como algo do meu tempo. Explicaremos às novas gerações como tudo funcionava. Mas será que eles terão tempo para nos ouvir?

In: Caderno Anexo (Jornal A Notícia - 16/04/2007)

Um comentário:

amarnempensar disse...

Oi Suzana..Adorei sua crônica.Já escrevi algo parecida e sou adepta das cartas...Tempo bom.Grande beijo