segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Beija-flor (crônica)

Quem não se encanta em vê-lo voar? Pássaro miúdo de aparência frágil que habita nossas cidades e surge de maneira surpreendente, quebrando a rotina do dia. Quem não se encanta embevecido ante a criatura que bate mil vezes as asas no ar ao sugar o néctar da flor?

Costumo receber a visita destes pássaros minúsculos e graciosos no apartamento em que moro, no centro. Procuram por uma flor, diz a ciência. Procuram por mim, por alguém, por algo mais, pensa minha alma de poeta. Fico quieta. Não me mexo. Esfinge, para não afugentá-los.

Na biblioteca, volta e meia um desses nos visita. Esvoaça sobre nossas cabeças, passeia pra cá e pra lá, pousa nos livros, sobre um Borges, uma fileira de Clarice Lispector. Voa desajeitado à estante de literatura estrangeira, esbarrando num Stephen King. Assustado, encontra a janela aberta, o vento, o vôo. Talvez nunca mais volte. Sem nunca ter lido Poe.

Suzana, você está fugindo do assunto da hora, a bolsa. Ora, ora, deixem a bolsa pra lá. Tanta ganância assim. Diga-me, beija-flor, se você investe na bolsa, se especula tudo e tanto e mais. Cedo ou tarde, a farra ia terminar.Lembro-me do pássaro que entrou na minha casa e voou direto à estante dos livros. Pássaro sabido. Eu? Fiquei longe, bem longe, pra não atrapalhar. Será que lia Fernando Pessoa, Quintana, ou algum outro livro bacana?

Leitor, me achas tola por bater de leve nestas teclas para te contar insignificâncias? Saiba que não me importo de ser tola e tolamente olhar os pássaros que me visitam e acreditar que exista motivo. Meu desconhecimento da ciência é voluntário. Ainda que saiba que pétalas são folhas. Ainda que saiba, jamais olharei uma pétala como a folha que é.

Talvez passe pela sua cabeça, leitor, que eu seja uma pessoa egoísta. O mundo todo voltado para salvar as bolsas e os bancos e os bolsos de pessoas que nunca vi em minha vida (e eu tola). Tu deves estar me achando egoísta, mesquinha, ou desligada. Mas não é exatamente assim. Sei que existe uma crise mundial porque pessoas que investiam em determinadas “ações” e “títulos” deixaram de investir nisso e partiram para outros investimentos e outras “rendas”.

Na verdade, as ações que me interessam são as da vida real, nunca peguei uma ação daquelas na mão. O título que muito me interessa é o que vai nas lombadas dos livros, no alto dos textos e dos poemas. E a renda, claro, a que enfeita roupas e almofadas.

Após a leitura do parágrafo anterior, talvez tu cogites a possibilidade da minha inexistência. Mas eu e milhares de pessoas que nunca viram títulos ou ações existimos sim. Simplesmente levamos no bolso o dinheiro suficiente para viver. Feito um beija-flor voamos pela vida. Sem mania de grandeza, sem grandes investimentos, sem grandes fortunas. Temos asas, sonhos e alegria. Isto nos basta.

4 comentários:

Cynthia Lopes disse...

Bom estar de volta... lindo texto.

Anônimo disse...

A M E I !!!
Bj da Fatima/LAGUNA

Humberto Ilha disse...

Leio você no AN. Ótimo texto, parabéns.

Francisca Rasche disse...

Suzana,
muito bom! Com sensibilidade e digo mais, sobreidade em momentos em que se tenta tumultuar a vida... ofuscar nossos olhos, eu diria. Será que a ilusão acabou? Seria tão bom...
um grande abraço, Fran