segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Outra coisa (crônica)

"Entra pra dentro que o sole tá quente." Meu pai me matava de vergonha. Era sempre a mesma coisa. Cada vez que chegava alguém lá em casa, era isso que ele dizia. A não ser que chovesse. Mas as visitas só vinham em dias de sol, em dias de chuva as pessoas preferem ficar em suas casas.

Tentei ensinar-lhe que "sole" é sol e que "entrar pra dentro" é uma redundância, mas logo percebi a inutilidade de meu ensinamento. Não que meu pai não fosse um homem inteligente, o fato é que os parentes que nos visitavam falavam um português ainda pior do que o de meu velho pai.

Constrangia-me quando os meus colegas de escola iam lá em casa e a primeira coisa que meu pai falava (parecia uma praga) era "entra pra dentro que o sole tá quente". Percebia nos colegas a vontade de rir. Disfarçavam para rir depois, acho.

Sentia pena do meu pai, contudo não demonstrava, pois sei que as pessoas não gostam de saber que sentimos pena delas. Na verdade, meu pai adorava gente. Por isso, quando estava de folga, sentava próximo da porta dos fundos, por onde as visitas normalmente passavam. Ou seja, era o primeiro a recebê-las.

Entristecia-me o fato de que as pessoas rissem de meu pai. Pois eu sabia que ele não tinha culpa de falar assim. Aliás, ele tinha um jeito bonito de falar. E havia tantos que falavam ainda pior. Principalmente os que moravam mais pra cima de nossa casa, em direção ao interior. Já os que moravam mais pro lado de baixo, na direção do centro da cidade, falavam melhor.

Nasci entre o interior e a cidade, num lugar que não era nem uma coisa nem outra e as duas ao mesmo tempo. Havia uma tecelagem do outro lado da rua, coisa de cidade; um rio de prainha limpa passava nos fundos de casa, coisa de interior.
Até a quarta série, estudei na escolinha que ficava mais pra cima de nossa casa. Quando, a partir da quinta série, mudei-me para uma escola maior e mais próxima do centro da cidade, foi que descobri que muitas das palavras que falava, pensando dizer tal coisa, infelizmente, significavam outra. E soube da pior maneira.

A professora de ciências enumerava algumas doenças e convidava os alunos a participarem da aula. Vários colegas já haviam se manifestado, quando eu, tolinha, levantei a mão e falei a palavra que julgava ser o nome de uma doença. A gargalhada foi estrondosa. Até a professora riu. Pior é que ninguém me explicou, nem eu ousei perguntar, tamanho o constrangimento. O que ficou muito claro é que aquela palavra não era doença coisa nenhuma.

Chegando em casa, quietinha, fui à estante de livros consultar no dicionário. Na letra "p": "Pênis: órgão sexual masculino" e não a doença da qual, segundo minha mãe, morrera uma prima distante (a prima morreu de apendicite).

Concluí que o caso de meu pai era menos grave, tratei de ensinar à mamãe (inutilmente). Quando ouvia ela dizer às visitas que a prima morrera de "pênis", caso estivesse por perto, corrigia (já morta de vergonha): "Apendicite".

Vai ver, mamãe sabia do que falava. Vai ver, a tal prima morreu mesmo foi de orgasmo.
In: Jornal a Notícia, Anexo, p.3

3 comentários:

Anônimo disse...

Ora, Dona Suzana, a sra. anda muito saliente!
E a oficina rendeu, heim?
Logo logo ofereço mais uma, tá legal?
beijo enchuvecido cá da ilha capital...
(fugindo um pouco dos cronistas, mas falta pouco, falta pouco pra acabar o livro!)

Mara faturi disse...

ADOREI!!!! morrer de...deve ser o máximo,rs,rs...mas, que sensação maravilhosa, quase "um" ( é este mesmo!!) poder lê-la assim...
Entrei aqui pra dentro minha querida e é muito bom, rs,rs e nem "queima",
bjão!!!

Anônimo disse...

rsrsrsr Acabei rindo também! Mas não das palavras erradas e sim do morrer de orgasmo! rsrsrs