segunda-feira, 28 de julho de 2008

O menino e o livro (crônica)

Numa biblioteca, nem todo material é de empréstimo. Dicionário não se empresta, por ser obra de consulta rápida. Não é comum que alguém leia um dicionário de cabo a rabo. Com algumas exceções, claro, citaria o exemplo de Paulo Leminski. Um dicionário não sai de uma biblioteca, ainda, pelo fato de que outra pessoa possa precisar de uma consulta enquanto ele estiver fora.

O mesmo raciocínio leva as bibliotecas a não emprestarem enciclopédias e bibliografias. Além da consulta rápida há outros motivos que levam uma obra a não sair para empréstimo, cito alguns: obras esgotadas da qual a biblioteca disponha de um único exemplar, obras raras, as muito solicitadas para pesquisa (como as didáticas), obras seriadas, coleções etc

No setor infanto-juvenil da biblioteca em que trabalho, todas as obras são de empréstimo, exceto uma. Trata-se de um livrão (livro grande) infantil, medindo cerca de 80 cm de altura, com uma história que nem é famosa, nem tão boa, mas que toca o coração dos pequenos por motivos que não sabemos. O livro, intitulado "O Maior Livro em Relevo Já Publicado" (Richard Scarry), foi comprado há anos de um desses vendedores de porta em porta. Na época, custou algo em torno de R$ 10.

Fato é que as crianças o adoram. E de tanto adorar e manusear, o livro já recebeu algumas restaurações improvisadas na própria biblioteca. Eu mesma já colei alguns pedaços soltos, pois se trata de livro interativo, no qual podem manusear personagens e outras peças.

Quando o compramos, decidimos que o livro seria um chamariz para as crianças in loco, portanto, não seria de empréstimo. Talvez por isso o livro ainda exista. Livros infantis normalmente têm durabilidade menor que os de adulto, mas, o que nos deixa feliz é proporcionar a aproximação entre a criança e a viagem da leitura.

Presenciei algumas cenas de crianças chegando ao balcão de empréstimo querendo levar o "livrão". Ao explicarmos que não era permitido, elas se conformavam e acabavam pegando outro. Semana passada, aconteceu algo inusitado.

Por volta das quatro da tarde notei pai e filho num impasse: o filho corria na frente levando nos braços algo quase maior que ele, o pai atrás, tentava dissuadi-lo. Ao me aproximar percebi um menino de não mais que três anos, já com duas lágrimas na face, abraçado ao objeto.

- O que foi? Perguntei.

O pai explicou:

- Ele quer, por toda força, levar este livro que não é de empréstimo.

Disfarcei a alegria que a história me causava e conversei com o garotinho. Disse que também achava o livro muito bonito e que o compreendia. Mas expliquei que, mais tarde, outro menino e mais outro, viriam à biblioteca e ficariam tristes ao constatar que o livro não estava ali.

Após me ouvir com olhar compenetrado, permitiu que o pai guardasse o imenso objeto. Ao sair da biblioteca, estava alegre e saltitante, como se nada acontecera.

Talvez devêssemos comprar outro exemplar. Claro, desde que os pais se comprometam a ajudar no transporte. Afinal, o livro é grande demais para que os braços pequenos o abracem, durante o longo percurso entre a biblioteca e as casas.

5 comentários:

ítalo puccini disse...

adorei!

sensível. como os livros e os humanos. como a leitura deve ser.

parabéns!

abraço.

Anônimo disse...

Que lindinho!!

Fabiano disse...

Suzana, que texto bacana!
A gratificante tarefa de formar leitores!
Falando nisso, confere este link:
http://www.samirmesquita.com.br
Novas formas de contar histórias...
Beijos

merry disse...

Da forma como contou criei na minha mente a imagem do menininho... cenas deste tipo ficam na nossa memória, achei lindinho.
Parabéns pelo carinho, pois sabemos que existem pessoas que não tem essa paciência com os pequeninos que precisam na verdade de carinho.
Sempre digo o melhor é explicar o porquê de tudo e eles sempre entendem!!!

Merry

Anônimo disse...

Este livro é muito lindo mesmo, tenho ele desde os meus 3 anos e está em perfeito estado. :)