segunda-feira, 24 de março de 2008

Cabeleira (crônica)

Minha amiga cortou o cabelo curto e ficou bonita. Da última vez, cortei com Irene. Lembro do nome porque brinquei: quero ver Irene rir (música de Caetano). Fiz cara de muita decepção quando ela me mostrou no espelho o resultado do corte. Fingi bem, acho, pois Irene quase chorou. Depois, disse a verdade: estava lindo, ela tinha lido meus pensamentos, cortado do jeito que queria, apesar de eu nem saber explicar direito... Irene riu gostoso.

Chorei mais de uma vez por causa de corte de cabelo. Lembro como se fosse hoje. Mamãe buscou a tesoura e não teve dó. O chão forrou-se de cabelos e lágrimas. Foi para minimizar o efeito dos piolhos. Bichinhos danados, eu bem que dizia para mamãe que a cabeça coçava. Quando ela prestou atenção em mim, era tarde, já haviam procriado na minha cabeça e nos meus cabelos longos. O pior foi chegar na escola exibindo o famoso e detestável corte penico. A Marilete, mal me viu, comentou: Suzana, que pescoço comprido você tem. Não sou o lobo disfarçado de vovozinha, pensei. Na verdade, me sentia uma tolinha por conta daquele cabelo. Depois, aos poucos, esqueci. E o cabelo, claro, cresceu.

Essa aconteceu quando morava em Florianópolis. A minha amiga chique me indicou um salão da Trindade. Esperei o dia do pagamento da bolsa-trabalho e fui cortar o cabelo, antes perguntei se lavando o preço seria o mesmo (alguns salões cobram uma fortuna para lavar cabelo). A moça não tinha cara de quem conhecesse o ofício. Apesar de estranhar o jeito dela cortar, respirei fundo e tentei relaxar, pois, se a deixasse nervosa, poderia levar uma tesourada. Após quase uma hora, ela conseguiu dar o corte por terminado. Chegando em casa, minha colega de apartamento me olha abismada: quem entortou teu cabelo? Voltei lá no dia seguinte e exigi que a dona do salão chique endireitasse meu cabelo. Segunda ela, a moça havia sido demitida, exibira um diploma falso de cabeleireira. Estragou algumas cabeças da Trindade, acho. Ou lançou a moda dos cabelos tortos, nunca se sabe...

É muito fácil cortar cabelo, é só chegar no local em que se corta cabelo e pedir: quero isso e aquilo e pronto. Sai igualzinho a gente pede, não é verdade? Não, não é verdade. Uma vez, pedi ao moço que cortasse apenas as pontinhas do meu cabelo, porém queria o comprimento de trás em forma de um "v", que naquela época estava na moda. Saí de lá com um corte pigmaleão (muito bem cortado, é verdade) que me deixou horrível e sem vontade de ir à festa alguma.

Gostava de cortar com a Úrsula. Levava tesoura e pente, ela cortava apenas as pontas, geralmente sob um pé de laranja, para não sujar a casa. Só não podia ser em dia de ventania. Dou a crônica por encerrada, marquei hora com a Irene, vamos vez se ela me fará rir,
ou chorar.

In: Jornal A Notícia, Caderno Anexo, p. 3

3 comentários:

Anônimo disse...

HAHAHHAHAHAAH Suzana não serei original como gostaria neste momento porque a única palavra que me vem, é: A D O R E I !!! Se as meninas erraram a mão em seu cabelo
podemos dizer que vc acertou no texto! Tambem doro ver Caetano cantando
"Eu quero ir minha gente eu não sou daqui eu não tenho nada
Quero ver Irene rir quero ver Irene dar sua risada Irene ri, Irene ri, Irene ..."
E tem tambem a Irene do Bandeira né? Bj da Fatima

ítalo puccini disse...

Gosto dessas recordações que você faz.

Divertida esta crônica. Bom de se ler.

abraços,
Í.ta**

Rubens da Cunha disse...

bom, durante muito tempo da minha vida tive meu pai por 'cortador de cabelo', teu texto me trouxe lembranças agradáveis.

abraços
Rubens