segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Bichos que moram comigo

Ele me olha com olhos espevitados. É o mais novo habitante da casa, por isso a minha surpresa, hoje de manhã, ao arrumar os vasinhos de violeta sobre a mesa da sala e dar de cara com aquela criatura. Por falar em violeta, são quatro vasinhos e, acreditem, o mais insignificante deles, a plantinha mais mirrada, é a única florida. São quatro flores enormes de cor azul-violeta, maiores que a plantinha, exibidas, expansivas. Os dois olhinhos fixam-me com sorriso faceiro.
Os outros habitantes da casa vieram aos poucos. Duas tartarugas chegaram primeiro (ao contrário daquele conto popular). Isso tem dez anos. Naquela época, quando alguém perguntava se morava só, não sei se para variar nas respostas ou brincar, respondia que éramos três. "Pai e mãe?", perguntavam. "Não, chamam-se Luzia e Andaluzia". "Irmãs?". "Não". "Amigas?" "Também não". Antes que me perguntassem novamente, explicava: "Tartarugas". "Nossa, que legal", a pessoa normalmente exclamava. Contudo, antes que se empolgasse, revelava: "Feitas de pano, umas gracinhas".
São duas tartarugas trabalhadeiras, seguram portas. Apesar de que em Brusque as portas quase não saem do lugar. São mais paradas que tartarugas. Brusque é uma cidade inerte, de pouco movimento, quase sóbria, quase firme demais, talvez seja vento que lhe falte. Ou invento.
Nessa altura, você deve estar curioso para saber dos outros moradores. Pois foi lá em Aracaju que comprei a minha arara. Ela não canta. Não sei se isso é defeito ou qualidade. Pratico ioga e meditação, imaginem a confusão. Bem, se ela não canta, as cores cantam por ela, de um vermelho vivo, asas coloridas. Balança na sacada do apartamento. Ali sim o vento circula. É ela que diz suavemente: venha me fazer voar. Uma cordinha desce do seu corpo de madeira, no qual pendurei um punhado de fitas coloridas de Nosso Senhor do Bonfim. Inspirou-me a criar um novo mantra: arara dança, arara dança...
No quarto-biblioteca, a coruja de cordas em tom cru exibe um laço de fita azul. Em nada atrapalha. É a companheira das noites insones, a vigilante de minha escrita solitária. O bicho mais numeroso desta casa, adivinhem? Borboleta. Após lançar meu livro de poemas ("Borboletras: Poemas Curtos que Voam"), passei a ganhar borboletas dos amigos. Livres: na estante de livros, ao lado do Buda, na mesa da sala, duas pousadas na buganvília da sacada. Belas: uma vermelha que levanta o astral de qualquer um; outra, azul-céu.
Ao passar pela sala, deparo-me novamente com as flores exuberantes da violeta raquítica e com os olhinhos espevitados. Observo atentamente aquele serzinho verde de corpo macio. Sorrio. Um sapo feliz saltou dentro do meu dia. E, apesar de sua pequenez, amaciou a vida.

3 comentários:

Anônimo disse...

"Meu"/teu sapinho deve estar feliz, em local bonito, e bem acompanhado!
bj

Fabiano disse...

Oi, Suzana, oi Regina...
quando terminei de ler o texto da primeira, imediatamente lembrei-me da segunda. Bjs para as 2!

Anônimo disse...

Que lindo!! Eu também já tive uma tartaruga, só que de verdade! rsrs

Beijos!