segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Rachel e Sabrina (crônica)

Em algum momento da vida compraremos uma mala. Antes de viajar, por exemplo. Entramos contentes na loja, analisamos o tamanho, a cor, a qualidade, vai que arrebente, não queremos que nossa mala se arrebente no meio da viagem, nem que seja grande ou pequena demais, por isso, às vezes, algum familiar ou amigo nos acompanha e ajuda na compra. Quando viajamos, levamos na mala objetos de uso pessoal, roupas, um livro ou revista. O destino da mala é este. Assim, as malas seriam felizes. Mas tem quem invente outro. Então a mala vê o horror dentro de si, pior, é usada para escondê-lo. De maneira que se esforçará para que alguém a encontre o quanto antes, afinal, está assustada sob a escada da rodoferroviária de Curitiba, onde cada minuto parece uma eternidade. Está disposta a ajudar a polícia na identificação do sujeito que cometeu tamanha atrocidade com a menina. Ela sabe quem foi.

Há quem jogue fora a caixa do televisor no mesmo dia em que compra o aparelho. Os precavidos guardam alguns dias, até que o aparelho seja testado. Muitas vezes, esquece-se da caixa, então ela fica lá nos fundos da casa, pegando chuva e ouvindo latidos. Destino incerto, o das caixas. Quando fabricou a caixa de papelão, o funcionário uniformizado da empresa de papel e papelão, em um momento de devaneio, imaginou para que serviria aquele produto: pelo tamanho, deduziu, guardará uma TV de 29 polegadas. E depois? Serviria de abrigo a algum mendigo, de cabana para alguma criança brincar... Isso deixa o funcionário satisfeito com o seu trabalho. Por algum erro do destino, a caixa foi encontrada na praça Nirvana, embrulhando o corpo morto da Sabrina.
Se de um lado a mala, sem querer, participou desse crime brutal, por outro, servirá de pista para que se identifique o assassino. A caixa de papelão, por sua vez, desejaria ter qualquer destino, menos esse; porém, foi decisiva na revelação do criminoso, por causa de uma etiqueta que ostentava. Tudo leva um código, até nós, apesar de andarmos soltos pelo mundo; vazios como caixas, muitas vezes, e aventureiros como malas, de vez em quando.

Mas o código de que as duas meninas-moças gostavam, pelo que soube por meio da imprensa, é aquele que existe há seis mil anos, o das palavras. As meninas adoravam ler. Boas alunas na escola, tinham um futuro promissor. Pais que as amavam. Rachel (nove anos) havia tirado primeiro lugar num concurso de redação da biblioteca do Paraná. Seria escritora?

Difícil compreender a lógica do mundo.

4 comentários:

ítalo puccini disse...

bonito texto.
sensível.
forte.

difícil mesmo compreender.
compreendermo-nos.

parabéns!
abraço.

Anônimo disse...

É sim, difícil e triste. Compreender que alguém queira alterar tanto o destino das malas e das caixas. Porque, infelizmente, as pessoas não existem para elas. _ Beijos.

J.R. Lima disse...

Lindo texto sobre coisas feias, tratadas com delicadeza, sensibilidade e respeito.

E... sim, incompreensíveis os caminhos do mundo.

Se somos humanos, como podemos compreender a humanidade? Se nos afastamos, impossível compreender de longe...

Um abraço!

Anônimo disse...

Oi Suzana!! Formatei meu pc, e perdi todos os meus favoritos! kkk Estou capiturando aos poucos! Nossa muitas crônicas pra eu ler!! Oba!! Vou ver tudo com calma depois!!
Beijos!!!