quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Era uma vez (crônica)

Ganharam de presente um casal de filhotes de marreco (ou seria de pato?). Passaram a ser os mais bem-tratados do galinheiro. Afinal, antes os donos do local só criavam galinhas. Agora, estes dois bichos novos, com bicos e asas e cores diferentes, grasnando de um outro jeito.
Quem vive no sítio, sabe, de manhã cedo é hora de tratar os bichos. Claro que se o tratador tiver um olho poético poderá apreciar as águas do rio e o brilho do sol enquanto executa as tarefas. Morar no sítio já é uma poesia. Imagine nos tempos em que se passou esta história, que não é de mentiroso, pois aconteceu de verdade, com pessoas da minha ancestralidade que moravam no interior.
Interior é aquele lugar em que as pessoas moram longe umas das outras, onde as árvores não incomodam, nem as galinhas e nem os patos. No interior, o tempo passa de um outro jeito, o fogão queima lenha, o café é coado, as cucas são feitas em fornos de tijolos, o cachorro é vira-lata. Tem carroça, cavalos, bois e vaca. Interior que se preze tem leite fresco e morno. Grama a vontade e rosas na frente de casa.
Neste cenário, crescia o casal de marrecos. Os donos se admiravam da beleza daquelas duas aves. Mas todo mundo sabe, mais cedo ou mais tarde, qual o destino dos bichos, mesmo que no sítio. Talvez as aves soubessem, talvez não. Vendo-as passearem despreocupadamente e nadarem no pequeno lago instalado no terreiro, pensava-se que de nada sabiam, tranqüilas, belas, penas exuberantes, bicos arredondados, chamavam atenção de todos que passavam (poucos criavam patos naquela época, ao menos naquela redondeza).
Assim se passavam os dias, acordar e dormir, comer e nadar, nadar e andar, andar e voar pedacinhos, bater asas fortalecidas, afastar as galinhas como se fossem de menor importância, até o galo as temia, afinal, eram grandes aquelas aves, tinham um código próprio, criaram uma aura em torno de si, de maneira que viviam como bem queriam. Davam as cartas no galinheiro, apesar do galo.
Do jeito que me contam a história, não se sabe quem as viu primeiro, se a esposa ou o marido. Certo é que todos contam assim. Que mal clareou o dia, um deles viu da janela o casal de marrecos voando já numa altura impossível de “caçá-los”, na direção que o rio Itajaí-Mirim descia, ou seja, mais para o centro da cidade. Fugiram. Cercas não prendem asas.
Os donos ficaram estupefatos e tristes. Nutriam carinho por aqueles bichos, estavam acostumados. O marido selou o cavalo e tentou segui-los, mas foi despistado, havia nuvens e árvores e curvas e montanhas e tanta água e tanto rio.
Mas esta história não termina assim. Conta-se que os marrecos pousaram nas terras não sei de quem, onde havia um imenso banhado, com pequenos lagos. O dono não foi buscá-los. Entendeu o desejo de liberdade das aves. Dizem que vivem por lá. Felizes como nos contos de fadas.

Um comentário:

carol disse...

Bonita a história!
" Cercas não prendem asas", muito legal...
Bjo =*