segunda-feira, 4 de junho de 2007

Solução do enigma (crônica)

Nem as montanhas conseguem segurar aquele que vem do sul. Nas ruas, ouvimos um “oi” diferente: “que frio!”. Mãos geladas. Compensaria ir às lojas procurar por luvas de lã? Vontade de tomar chocolate quente, sentar ao sol, ler um poema ou fazer tricô. Tricotar esquenta as mãos. Toca o telefone:
– Descobri o autor do poema – grita do outro lado da linha uma amiga que gosta de poesia. Há anos não nos víamos. Pergunto interessada:
– De qual poema?
– Daquele que pedi para você pesquisar aí na biblioteca. Lembra?
– Sim, lembro que procurei em todas as coletâneas de autores ingleses. Faz tanto tempo. Na época nem tínhamos internet. Saudade daquele poema.
– Então, escute:

Aedh wishes for the Cloths of Heaven
Had I the heavens’ embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.

– Ah, quero ouvi-lo em português! (o meu inglês ficou na Era do gelo, já o da minha amiga, parece que melhorou.)
– Tudo bem:


Se eu tivesse os trajes bordados do céu,
Adornados com luz dourada e prateada,
E os trajes escuros, sombrios e azuis
Da noite, à luz e à meia-luz,
Eu estenderia estes trajes sob seus pés:
Mas eu, sendo pobre, tenho só os meus sonhos;
Então estendo os meus sonhos sob seus pés,
Com suavidade porque você caminha neles.

– Belo! Tal é citado no filme Nunca te vi... Sempre te amei.
– Comprei o livro num Sebo. Não traz o poema.
– Não traz, eu sei. O meu foi comprado num Sebo também. Que bom que nem todos gostam das mesmas coisas.
– Ou de armazenar.
Rimos.
– Então, de quem é o poema? – pergunto curiosa.
– Digitei no google o primeiro verso entre aspas. O provedor listou três sites: os dois primeiros citavam o poema sem mencionar a autoria, infelizmente. Eram de blogs.
– E no outro?
- Pois é, cliquei no item restante meio sem esperança. Meu coração já batia descompassado...
– Compreensível, tanto tempo de procura (um enigma), claro que com intervalos de não-procura.
– Sim. Esse foi o meu problema...
– Quem o escreveu, afinal?
– O poeta William Butler Yeats.
– O irlandês que foi senador?
– Sim, esse mesmo. Prêmio Nobel de Literatura de 1923.
– Ele é bonito – deixo escapar.
– Sim, além de tudo, bonito. Pena que não me chamo Maud Gonne.
Rimos.
– Qual a sensação da descoberta?
– Apaixonada! Fiz matrícula num curso de inglês.

Matriculou-se num curso de inglês para ler Yeats no original. Outra amiga estuda as tábuas sumerianas para agradar o namorado que é arqueólogo. Antes que a necessidade de impressionar alguém apareça, decidi retomar meu curso de inglês. Mas em agosto, bem entendido. Em julho eu quero fazer tricô.

Publicada no Caderno Anexo (Jornal A Notícia - 04/06/2007)

Um comentário:

marcia cardeal disse...

Que bonito ficou isso, menina! bjs daqui...