segunda-feira, 14 de maio de 2007

Casa e cozinha (Crônica)

Até a mais modesta habitação,
vista intimamente, é bela.
Bachelard


Quem arduamente juntou seu dinheirinho e comprou uma casinha sabe o valor que ela tem. Assim também aquele que comprou os móveis para sua cozinha, sabe o valor que eles têm. Cada um tem seu jeitinho de arrumar a casa. Fato é que às vezes temos jeito e não temos dinheiro. Quem não quer uma casa jeitosinha para morar e namorar?

Alguns moram em casa com telhado de ponta, outros em prédios quadrados, porém quando se está dentro, o formato é sempre o mesmo: de ninho (feito os passarinhos).

Cada um arruma o ninho do seu jeito. Uns arrumam logo cedo, antes de sair para o trabalho; outros deixam tudo como está, na hora de ir e de voltar; há os que mudam tudo de lugar, para a energia melhorar; e há também aqueles sem tempo nem de pensar, quanto mais de organizar (ou, nem tanto ao céu, nem tanto ao mar).

Alguns moram em lugares pequenos, porém pintados de azul-capricho com uma flor desenhada na porta; dormem apertados num mesmo quarto, não sentem frio, nem distanciamento dos seres (sabem que o mundo está aí para ser compartilhado). Outros nascem em quarto enorme só para si. Como preencher tanto espaço vazio? Será que o vazio de fora é igual ao vazio de dentro? (Vazio veludo ou velado?).

Meninos de sorte nascem perto de bosques, onde há bicicletas, estilingues e bolas. Meninas, onde há bonecas, árvores e rodas. Bom é quando meninos e meninas compartilham os brinquedos.Quem tem sorte nasce perto dos avós em casa com varanda e perfume de rosas. Se tiver mais sorte, onde há vacas leiteiras olhando quando você passa rente ao rio de águas cristalinas. Um Pasto para jogar bola com os sonhos ainda frescos e possíveis (quem não gostaria?), inclusive de ser um Pelé ou Garrincha.

Uma casa de sorte fica próxima de flores e pássaros, de velhos e crianças, de doces em forno a lenha, de mulheres rendeiras, das bananeiras (bashôs) na beira do rio, ou das goiabas, araçás e ameixas (ame-as ou deixe-as / Leminski).

Na cozinha da casa, há quem areie as panelas até luzirem feito espelho e quem cozinhe com amor e esmero; outros são tão práticos que utilizam apenas uma panela ou tacho. Café solúvel ou cheiroso de deixar os vizinhos com água na boca? O jeitinho que cada um tem de fazer as coisas, começar o dia, lavar o rosto, abrir a janela, espiar um passarinho cantando, aspirar o perfume de um jasmim, ou, observar o pé de camélia florir.

Aqui do terceiro andar o que vejo são lembranças. A novidade é uma cozinha usada que ganhei. Fico imaginado as festas, as comidas deliciosas, os momentos felizes, as conversas... Sim, uma cozinha é como um livro, tem uma história para nos contar. Nenhuma cozinha nova faria minha casa mais feliz. Estamos todos felizes: os passarinhos cantam, os pratos dançam com as xícaras e a vassoura varre sozinha.

Crônica publicada no Caderno Anexo (Jornal A Notícia - 14/05/2007)

Um comentário:

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado