domingo, 22 de março de 2009

Amanhã

Até ontem eu era aquela coisa vazia
que não dizia nada com nada
vergada

Até ontem eu não era nada
não sei como eu pude
ser nada até ontem

Como eu pude agüentar ser um nada
Nada me transtorna mais
do que saber que até ontem eu era aquela coisa vazia
Nada me entristece mais do que saber que eu era tão vazio quanto o mais vazio dos vazios

Hoje eu acordei consciente
do meu passado branco
Hoje eu acordei no escuro e não tive medo
Hoje eu acordei no escuro e desenhei estrelas no céu do meu quarto
Hoje eu me sinto cheio de escuros e medos
Hoje eu me sinto cheio

Hoje eu me sinto cheio de tudo
Hoje eu me sinto de saco cheio
Não sei como eu posso estar tão cheio
Não sei como eu me deixei chegar a este ponto

Eu já não sei de mais nada
Não sei mais olhar pro céu e predizer o tempo
Não sei mais olhar nos olhos sem me comover
Não sei mais fingir que sei quando não sei
Não sei mais fingir que gosto quando não gosto
Não sei mais fingir que quero quando não quero

Eu já não sei como pisar nesta estrada
Alguém apagou o caminho de volta
Eu já não sei como pisar nesta estrada
Alguém apagou o caminho de volta

sábado, 21 de março de 2009

As pessoas falam coisas. As pessoas falam coisas sem pensar. As coisas que as pessoas falam dão o que pensar. As pessoas falam para preencher vazios. Se palavras fossem flores as pessoas falariam para preencher vasos de cores. As pessoas falam demais. Algumas pessoas falam de medos, os mudos, por exemplo. Os mudos não falam pela boca. Os emudecidos são aqueles que não falam por vontade própria. A mudez não lhes foi imposta. As pessoas falam muito quando ninguém quer ouvir. As pessoas falam para explicar quem são. A imagem do que são não se explica. Muito barulho por nada. Tanto se fala disso e daquilo, na maioria das vezes, isso e aquilo não valem um quilo. O silêncio é de ouro e continua velando ouro. As pessoas falam porque temem o silêncio. Enquanto se faz amor pode-se ficar em silêncio, pode-se usar a língua para falar de libélulas. Enquanto se beija na boca não se fala. Tem gente que fala. Antes do beijo tem gente que pede. Tem quem não pede e beija. Tem quem pede e beija mal. Se for pra beijar mal, melhor mel. Se for pra falar de amor, se for pra falar e não fazer. As pessoas falam coisas sem pensar em mais nada. As pessoas silenciam apenas por fora. Há quem estranhe o silêncio que se cria em torno, por isso apressa a fala sobre os vazios escuros e azuis da noite.

domingo, 8 de março de 2009

Promessa

Ele prometia todos os dias. Todos os dias eu acreditava. Amanhã, amanhã eu e você, você e eu. Amanhã é um lugar distante, amanhã é o ponteiro sem pressa, o tic-tac arranhando a garganta. Não sei se tua mão está branca, vermelha ou azul e se o ar entra pela tua boca e se cuidam para que não te doa o corpo e se ainda és um sopro num corpo ou apenas um sopro.

Esqueça de tudo, do sol, do azul. Esqueça do gesto de levantar a cabeça, esqueça a timidez inicial, esqueça o sorriso, a voz ao telefone, esqueça o homem, esqueça o nome, apague a luz, fique sozinha com as memórias, com o prolongamento da vida que escapa, escapa, escarpa.

Vasculhe as mensagens dele no computador, procure pelo amor nas entrelinhas. Puxe o fio da letra, faça o filme rodar de novo, o bar, a timidez, o timbre da voz, o sorriso aberto, o abraço certo. Procure o beijo, primeiro roçado, depois linguado, cama sutra. Coma.